A ascensão da figura feminina no futebol

Setembro 2020 | Por: Tiago  F. Silva

Começamos com uma pergunta. Sabe quem é Pernille Harder?

Independentemente da resposta, fixe o nome desta futebolista, porque é preponderante para o desenrolar deste artigo. Esta dinamarquesa ganhou protagonismo nos últimos dias, devido a uma transferência que fez história. A troco do passe da avançada do Wolfsburgo, o Chelsea desembolsou cerca de 350 mil euros, estabelecendo um novo recorde de transferências no futebol feminino.

Harder foi eleita a jogador do ano para a UEFA, em 2017/18, é considerada uma das melhores jogadoras do mundo e, aos 27 anos, tornou-se a mais cara de sempre. Curiosamente, apenas o Wolfsburgo assinalou o feito, visto que os “blues” não divulgaram os valores do negócio.

350 mil euros.

E isto poderia ser, por si só, um fim bastante digno para este texto, mas prossigamos e com um pequeno disclaimer.

Sobre a igualdade de género muito haveria para dizer e nas mais diversas vertentes da nossa sociedade. O texto apela à reflexão, mas procura acima de tudo retratar protagonistas e acontecimentos recentes, que, à sua maneira, escreveram uma página na história do futebol.

O assunto do Feminino no futebol ganhou expressão nos últimos dias, não só pela transferência de Harder, como também pelos feitos de uma outra mulher.

Kathleen Krüger, a team manager do Bayern Munique que colheu elogios de toda a estrutura, logo após a conquista da Liga dos Campeões, merecendo até honras de capa em várias publicações do Velho Continente.

“É ela que mantém a equipa unida. Não importa que problemas possamos encontrar”, afirmou Thomas Müller, um dos jogadores mais emblemáticos do agora campeão europeu. Kathleen é uma líder silenciosa, trata de tudo o que for indispensável para o funcionamento da equipa e está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. Chega a ser confidente de alguns jogadores, aquela que está sempre disponível para resolver qualquer imprevisto e, inclusivamente, é a única mulher presente no grupo de WhatsApp dos jogadores.

Como team manager é tão determinante que Pep Guardiola tentou levá-la para o Manchester City. O convite foi declinado, mas solidificou ainda mais a sua presença no seio do clube.

E estas referências não foram aleatórias. Afinal, o que têm em comum Harder e Krüger?

Paixão pelo futebol à parte, ambas são, ao mesmo tempo, a antítese e a perífrase do Feminino no que respeita ao futebol. De um lado, a realidade, que mostra uma indústria ainda limitada de todo o seu potencial, do outro, o sonho possível, o de que as mulheres são igualmente capazes de singrar no que parece ser um “mundo de homens”.

Senão, veja-se. Tal como Harder, Krüger era também futebolista, mas decidiu pendurar as botas aos 24 anos, porque, segundo a própria, o futebol não lhe providenciava as condições económicas desejadas. Enveredou então por uma carreira administrativa e em 2009 chegou a team manager do poderoso Bayern Munique. A promoção surpreendeu-a, mas a verdade é que se tornou rapidamente numa pedra basilar.

Voltando a Harder, para estabelecer o paralelismo. À inegável capacidade de singrar que as mulheres demonstram ter no “futebol dos homens”, torna-se quase inacreditável constatar que a maior transferência de sempre no futebol feminino tenha representado sensivelmente 0,16% do montante pago pelo futebolista mais caro, registo que pertence a Neymar. Em 2017/18, o PSG bateu a cláusula de rescisão de 222 milhões de euros para contratar o brasileiro ao Barcelona e estabeleceu a fasquia máxima. De outro ângulo, o valor foi 658 vezes menor do que o envolvido na contratação do internacional canarinho.

O cenário desconcertante que a transferência de Harder trouxe à tona, mais uma vez, contrasta com a cabal importância que Kathleen teve no cardápio de sucessos do Bayern Munique ao longo da última década.
Certo é que estes dois exemplos tiveram o condão de suscitar reação nos adeptos de futebol. De um lado, os que defendem o ultraje da transferência de Harder, do outro os que a consideram um indício de mudança positiva no futebol feminino e que encontram no caso de Kathleen outro exemplo nesse sentido.

Ainda assim, parece ser consensual a ideia de que é sempre mais lento o desenvolvimento do futebol feminino, do que o avolumar das “extravagâncias” do masculino. Mas isso pode encontrar explicação num relatório divulgado pela FIFA em 2019, no qual se indicava que 96% das negociações internacionais do futebol feminino foram realizadas de forma gratuita.

Pese embora os números, não é displicente achar que já decorre uma mudança. Algo parece estar a mudar, efetivamente. O investimento no futebol feminino tem vindo a aumentar e, com ele, o mediatismo. Há cada vez mais jogadoras e treinadores (mulheres ou homens) a ganhar notoriedade, uns até que optam por assumir personas bastante vincadas, pelo que não é de estranhar se os holofotes forem virando para o que de melhor se faz no feminino.

No entanto, a transferência de Harder volta a servir de lembrete, mostrando que, pelo menos no capítulo económico, ainda é longo o caminho a percorrer em prol de uma maior equidade.

Os exemplos de sucesso no futebol português
Se dentro de campo os passos vão sendo dados, a pouco e pouco, fora dele há já vários casos de mulheres de sucesso no futebol. Desde técnicas a dirigentes, multiplicam-se os casos de sucesso no feminino.

O exemplo de Kathleen Krüger reveste-se de alguma invulgaridade, pelas funções que ocupa, mas existem casos semelhantes, inclusivamente no futebol português. De uma vasta lista de personalidades nacionais, destacam-se três, embora haja outras tantas dignas de referência.

Helena Costa
Surpreendeu tudo e todos, quando em 2014 assinou pelo Clermont Foot, equipa masculina que militava na Ligue 2 em França. À época scout do Celtic, mas já com experiência como técnica, Helena aceitou o convite, mas acabou por renunciar ao cargo ainda no decorrer da pré-época. Para o seu lugar, o clube escolheu outra treinadora, no caso a francesa Corinne Diacre. Atualmente, a portuguesa é scout dos alemães do Eintracht Frankfurt.

Mónica Jorge
Outro exemplo paradigmático. Ficou notabilizada pela longa carreira à frente da seleção nacional feminina, tendo sido parte importante no crescimento e desenvolvimento da mesma. Em 2012 deixou o cargo de técnica para assumir o de diretora da Federação Portuguesa de Futebol, mantendo o futebol feminino sob a sua alçada.

Sónia Carneiro
De uma diretora da FPF para uma diretora da Liga Portugal. Sónia Carneiro é outra das personalidades no feminino em destaque no futebol português. Formada em Direito, há muito que está ligada à indústria, mas foi em 2016 que adquiriu maior notoriedade, com a ascensão a diretora executiva da Liga Portugal. Desde então, assumiu-se como uma das figuras mais influentes e mediáticas do futebol nacional.