"Brand Strategy Matters” no palco do futebol

Outubro 2020 | Por: Tiago F. Silva

Como desporto de massas, o futebol tem hoje uma exposição mediática absolutamente incrível, capaz de invadir o quotidiano de qualquer cidadão, independentemente de ser ou não adepto da modalidade.

De há uns anos para cá, sobretudo nesta viragem de década, o desporto tem sido palco de alguns fenómenos que o extravasam e aos quais não deve ser alheio. Até porque, diga-se, melhor palco é difícil.

O exemplo mais recente talvez tenha sido o denominado “Black Lives Matter”, um movimento de índole antirracista e que atravessou todo o mundo, incluindo o do desporto, o que nos interessa para o efeito.

Muitos dos intervenientes ajoelharam-se simbolicamente e ergueram-se depois, com várias manifestações públicas, numa tentativa de consciencializar a sociedade, sobretudo aqueles que fazem deles exemplos a seguir.

Isto prova que, ao contrário do que muitos afirmam, futebol e política, sobretudo estes dois, sempre andaram e continuarão a andar de mãos dadas. Por detrás de cada futebolista há um ser humano, com as respetivas convicções e, hoje, com um palco maior para as expor.

Daí a importância de saber comunicar. O facto de o palco ser hoje maior do que ontem, só sublinha para a importância de comunicar bem, de fazer bom uso dessa mediatização, de contribuir para a construção de uma sociedade melhor.

É aqui que entra a verdadeira temática deste artigo.

E as marcas que patrocinam o futebol? Devem ser imunes a estes fenómenos sociais, ou aproveitar a corrente e tirar partido da mesma?

Não é um tema simples. Repare-se, nem sempre é benéfico para uma marca navegar em águas agitadas, algumas podem ganhar, outras ir ao fundo com um tipo de estratégia mais ousado. Cabe a cada uma delas analisar e decidir pelo que considera melhor.

Essencial é isto: uma marca pode optar pela estratégia que quiser, mas ser indiferente pode ser um erro crasso e irremediável.

Novamente. O futebol é um palco demasiado grande para as marcas se descuidarem na estratégia que escolhem adotar. As que o fazem, arriscam-se a sair prejudicadas.

Para o ilustrar, decidimos mencionar dois exemplos muito recentes. E reforce-se, não procura ser um ponto de vista de gestor financeiro, apenas o de quem observou a ação de fora e maturou os resultados da mesma.

 

A cerveja que “esqueceu” Ansu Fati

A história vem de Espanha e só há pouco tempo se soube os verdadeiros contornos da situação.

Ansu Fati, estrela em ascensão no Barcelona, era estranhamente deixado fora das votações para melhor jogador em campo. Nalguns casos, a jovem promessa espanhola era inegavelmente o melhor em campo, porém nunca constava na lista de candidatos à votação dos adeptos.

Pois bem. E se lhe dissermos que Fati não podia ser eleito devido a questões legais?

Espante-se, mas é verdade. Acontece que a marca patrocinadora desse prémio é a Budweiser. Como marca de cervejas, estava legalmente incapacitada de associar a “brand” a um menor de 18 anos, idade mínima legal para o consumo de bebidas alcoólicas em Espanha.

Ainda que a explicação fosse plausível, gerou indignação no seio dos adeptos. Muitos deles questionaram a “inteligência” dos seus gestores, uma vez que obliteraram o facto de haver jogadores menores de idade a competir ao mais alto nível. Outros insinuaram questões raciais.

Ainda que nos pareça evidente que a marca não menosprezou a menoridade dos jogadores, tratou-se de facto de uma estratégia mal pensada, sobretudo vendo a pouca aceitação da comunidade. O prémio de melhor em campo devia premiar o melhor em campo, algo que não acontecera diversas vezes (na época 2019/20). Essa “injustiça futebolística” depressa se transformou no assunto mais em voga naquele dia, o racismo.

Ainda que a marca não saia beliscada no contrato vinculado, o que é aplaudível, viu-se envolvida numa polémica absurda que lhe retirou credibilidade e até a aceitação dos adeptos.

Moral da história: Fati atingirá a maioridade no final de outubro e sairá a rir de uma situação em que a marca não soube claramente posicionar-se no palco que o futebol lhe deu. Ainda que os entraves legais pudessem ser “vendidos” num pacote de responsabilidade social e afins, nada consertou esse erro.

 

Robinho e o polémico “regresso” ao Santos

O nome mítico da Vila Belmiro regressou pela terceira vez para ser reforço do “Peixe”, mas a receção não foi pacífica, já que o internacional brasileiro está a ser julgado pela violação de uma mulher, em Itália.

Uma das primeiras reações negativas partiu de um dos patrocinadores. A Orthopride anunciou a retirada do patrocínio ao clube santista.

«Nós temos enorme respeito pela história do Santos. Mas neste momento decidimos pelo rompimento do contrato de patrocínio. O nosso público é maioritariamente feminino e, em respeito às mulheres que consomem os nossos produtos, tivemos de tomar essa decisão. Queremos deixar claro que não fomos informados previamente sobre a contratação do Robinho, fomos apanhados de surpresa pela imprensa no fim de semana», disse Richard Adam, diretor da empresa, ao Globoesporte.

Ora aqui está o exemplo oposto. Ao contrário da anterior, esta não foi uma ação planeada, mas antes uma reação. Ainda assim, exemplifica bem a importância de as marcas manterem o foco em tudo o que se passa no futebol e em torno dele.

A verdade é que esta história não teve, de facto, um final feliz. Sob várias pressões, incluindo a dos patrocinadores, como referimos, o Santos decidiu cancelar o contrato com o jogador.

Portanto, em resposta à pergunta inicial. Devem ou não as marcas que patrocinam o futebol (não confundir com as instituições) entrar em cena e aproveitar o enredo que é o futebol para também elas se promoverem?

A resposta é sim. Contudo, como vimos, desde que a estratégia seja bem pensada, caso contrário poderá trazer consequências severas. Mais uma vez, a indiferença é que não deve ser a primeira opção em cima da mesa.

O futebol tornou-se um fenómeno de impacto mundial também fora das quatro linhas, quer se queira, quer não. Mais do que nunca, participar nesse espetáculo requer conhecer e acompanhar o cenário envolvente, um guião bem estudado e assertividade a cada entrada em cena.