COVID-19: a janela para sair de um futebol em crise

Maio 2020 | Por: Tiago F. Silva

Com menos dinheiro nos cofres, algo está prestes a mudar no futebol. De acordo com a KPMG, o impacto económico da COVID-19 vai começar a sentir-se já no próximo mercado de transferências.
A falta de liquidez dos clubes irá resultar numa redução significativa no valor das mesmas, uma deflação do valor do passe dos atletas. Ao mesmo tempo, “irá impulsionar situações de troca ou empréstimo, ao invés de contratações”, seguindo uma lógica de rendimento desportivo com o menor esforço financeiro possível.

Além disso, o mercado irá “virar a favor de quem compra e não de quem vende”. Isto é, se até aqui eram os clubes vendedores em posição soberana no que toca a colocar condições negociais, o que acabou por resultar numa inflação do mercado, agora será uma minoria de clubes compradores a dominar a negociação, aproveitando as fragilidades económicas do outro.

Assim sendo, em teoria, um clube com desafogo económico será capaz de contratar jogadores por valores muito inferiores aqueles que se verificaram na última janela. Basta pensar numa simples transação, em que o vendedor tem clara necessidade de vender, para ganhar estofo financeiro, o que deixa o comprador mais à vontade para limitar os valores da oferta e, desta forma, conseguir algo a preço mais reduzido.

Ora, outra das conclusões do relatório encaixa precisamente neste ponto. Se quem compra não estará disposto a pagar tanto, então os habituais “clubes vendedores, que até aqui assentavam o sucesso económico na venda de ativos, vão sentir um impacto maior do que os restantes”.
Essa mudança de paradigma vai, por sua vez, afetar o valor dos jogadores também. Em teoria, o atleta dos quadros de um clube vendedor irá ver o seu valor de mercado baixar, fruto da menor capacidade negocial deste.

O lado “positivo” da pandemia

Ironia ou não, a receita para os males dos clubes parece ser a mesma que para os de todos nós: o confinamento. De um ponto de vista financeiro, confinar o dinheiro, investindo na “prata da casa”, será a solução mais viável para enfrentar o que se avizinha.
O relatório da consultora aponta precisamente nesse sentido, antevendo até uma melhor sustentabilidade do futebol.
Isto porque, a escassez de recursos financeiros pressupõe duas certezas: “a aposta na formação e os negócios de troca ou empréstimo sem quaisquer verbas envolvidas”. Se é verdade que a formação vinha sendo um caso de sucesso em vários clubes, a verdade é que parecia ser um modelo difícil de replicar em tantos outros e até algo descurada noutros.

Com menos dinheiro em caixa, os clubes serão forçados a produzir riqueza dentro de portas, criando e potenciando novos talentos, para que estes, possam aportar rendimento desportivo e financeiro no futuro.

Para concluir, a questão salarial. É expectável que a massa salarial dos clubes desça, de resto já se tem verificado até nalguns dos principais emblemas portugueses. A descida dos salários vai permitir reduzir os orçamentos para a época e, em teoria, assegurar a permanência dos principais ativos, com vista à obtenção de sucesso desportivo e, quiçá amanhã, financeiro.

A oportunidade que surge da crise. Fechou-se uma porta, abriu-se uma janela e o futebol tem agora uma oportunidade para se tornar aquilo que há muito tempo não é, sustentável. A esperança de um futuro verdejante, num terreno que parece mais lamacento que nunca.