Beto Carvalho:

"Os clubes começam a ver na área de comunicação uma grande vertente de construção de valor"

Fevereiro 2021 | Nuno Aguiar-Branco & Tiago F. Silva

Ao futebol jogado, eles acrescentam um outro lado. São como uma ponte que aproxima clubes e adeptos, num ecossistema saudável e profícuo para todos. No Brasil, os profissionais do Marketing têm feito escola e catapultaram os clubes para níveis altíssimos fora das quatro linhas também, sobretudo quando era necessária uma resposta à altura. Beto Carvalho foi um deles. Como diretor executivo de Marketing do Grêmio, levou a cabo uma revolução positiva num dos emblemas mais icónicos e foi eleito por três vezes como o melhor do Futebol Brasileiro. Numa viagem transatlântica, a STAR convidou Beto a partilhar ideias e opiniões sobre Marketing no futebol, abordando também o papel que esta vertente tem vindo a desempenhar no sucesso dos clubes canarinhos, dentro e fora de portas.

 

STAR – Teve um percurso fascinante até chegar ao futebol. Quer falar-nos um pouco dele?

BETO CARVALHO – Com 5 anos de idade, fui sequestrado e acabei ficando extremamente gago. Tive uma adolescência difícil em termos de autoestima, mas tinha muita personalidade acerca disso. Depois da universidade, tive de escolher entre ser engenheiro, para o qual não tinha grande vocação, ou ciências humanas, porque sempre gostei de pessoas. Escolhi engenharia, mas saí com 22 anos e quis enfrentar esta dificuldade que tinha. Gostava de falar e de comunicar, então precisava de vencê-la. Escolhi então ser profissional de vendas, na Xerox. Era daqueles que tinha de vender de porta em porta. Imaginem, 22 anos, engenheiro, gago, a vender dessa forma. Mas aí comecei a entender mais o que seria uma paixão. Tinha a racionalidade da engenharia, mas com a vocação e a paixão pela comunicação. Fiz do limão a limonada. Criei uma determinada forma de comunicar, com muita comunicação corporal. Assumi-me como homem de vendas e fui para marketing depois, fazendo um mestrado. Exerci em empresas, fora do Brasil também. Em 2005, comecei a dar palestras e mais tarde publiquei livros que foram um sucesso de vendas, como “A Azeitona da Empada” (2007), “A Cereja do Bolo” (2009) e “Você é o Cara” (2011). Deixaria depois de ser executivo e passei a atuar na área de consultoria e realização de palestras. Em 2013, voltaria a ser executivo, no futebol, assumindo o marketing do Grêmio, muito pelo amor pelo clube.

 

STAR – Quando surgiu na sua vida a noção de que a gestão do futebol fora do campo é tão importante quanto a que se pratica dentro dele?

BC – O futebol é algo muito desafiador em vários sentidos, mais do que qualquer área. Um dos desafios do próprio marketing no futebol é procurar fazer com que ele seja sustentável, independentemente do resultado em campo, porque, se ficarmos sempre na questão do campo, ficamos muito reféns disso. Quando trabalhamos a construção de determinada marca sobre vários aspetos, conseguimos dar para o consumidor uma perceção nova e diferente. É potencializada pelo campo, claro. Quando as vitórias vêm, facilitam muita coisa. Mas importa haver solidez no processo, para impedir que estas tenham vida própria. Estas questões emocionais são muito importantes, porque lidamos com pessoas e paixão, irracionalidade, mas temos sempre um determinado cerne, que é o amor desse fã à própria marca. Uma das vantagens do futebol para outras áreas é que é um mercado em que o consumidor não troca de marca, é leal. Pode consumir mais ou menos, mas não muda, portanto não há uma concorrência no âmbito específico, apenas no genérico, no sentido do tempo que os adeptos podem gastar noutras coisas.

 

STAR – O futebol brasileiro está num processo evolutivo até ao nível da comunicação e do marketing. Qual pensa ter sido o momento que levou a esse “despertar” dos clubes?

BC – Foi essa importância da perceção de valor da marca. Os clubes têm vindo a investir muito nisso. O Grêmio tem feito um trabalho interessante nessa área, construindo canais e plataformas para isso. Temos planos para algo em breve que será muito importante e inédito. Só não posso adiantar ainda. Cada vez mais, os clubes começam a ver na área de comunicação e relacionamento com o seu fã uma grande vertente de construção de valor. E existem formas diferentes de engajar, dependendo dos públicos. Precisamos de olhar para os exemplos feitos noutros países e fazer um “benchmarking”, mas não é replicá-los, é antes aprender e adaptá-los. Vivemos numa época em que é importante criar valor e que seja um valor que os outros percebam. Não somos o que nós achamos que nós somos, mas o que os outros acham que somos. Se os outros não reconhecerem valor em mim, eu não valho nada. O fã tem de perceber, quantificar e qualificar esse conceito. É esse o desafio diário, auscultar o mercado e formatar algo que possa satisfazer as necessidades, construindo valor também.

 

STAR – Muito haveria a dizer sobre ações levadas a cabo pelo Grêmio, mas, falando apenas do que foi feito esta época, marcada pela pandemia, quais aquelas que destacaria?

BC – Tudo o que nós enfrentámos, tocou muito a todos. Tivemos dois ícones importantes, na minha opinião. Primeiro, as ações de solidariedade. O clube precisou desse foco solidário, foi algo presente, com ações sociais, doações e engajamento de fãs também para este fim. Foi algo importante e que veio para ficar de maneira sólida. Os clubes cumprem hoje uma função social muito importante, não se podem desviar dessa responsabilidade para com fãs e comunidade em geral. O outro ícone teve a ver com as ações nos fãs mais leais, os sócios. O Grêmio é um dos clubes com mais sócios no Brasil e fizemos várias ações de perceção de valor nestes sócios, seja no benefício na compra de produtos, ou nos benefícios futuros, quando voltar a haver jogos com público. Sabemos que a relação do sócio com o fator jogo é muito importante. Está tudo a ser feito dessa forma e o nosso nível de quebra de sócios foi baixo. Tivemos um grande incremento online também, com ações próprias para isso, tornando as nossas compras mais amigáveis e criando ações de estímulo a esse consumo. Em dezembro deste ano, tivemos 40% mais de vendas do que no ano passado, fruto do engajamento ao próprio clube e à marca e à monetização desta marca em relação às nossas lojas.

 

STAR – A pergunta parece especulativa, mas o que poderia dar o futebol europeu ao Grêmio, que o Brasil ou a América do Sul não dão atualmente?

BC – Acho que boas práticas, em todos os sentidos. O nível de profissionalismo do segmento na Europa é muito importante. Temos de estar sempre abertos a tentar aprender e olhar o que se faze de bom e customizar para cá. Ando sempre atento a tudo o que pode ser feito. Por exemplo, acompanho o Liverpool, em termos de trabalho de comunicação nas redes sociais. Temos de estar atentos ao que está a ser feito e esse benchmarking é muito importante, para que possamos aplicar aqui, adaptando à nossa realidade. Hoje, a Europa dota mais as áreas de comunicação e marketing, na sua linha orçamental, do que os clubes da América do Sul.

 

STAR – Em termos de gestão da marca, por onde acha que o Grêmio poderá progredir mais, nos próximos tempos? Em que segmentos de mercado?

BC – No e-Game e na criação de conteúdo. O conteúdo se for rico e bem elaborado é passível de boa monetização. Lançámos redes sociais em espanhol e inglês, o que também é importante.

 

STAR – Relativamente à captação de “sponsors”, na sua opinião, o que têm de bom os clubes e as competições brasileiras e o que devem melhorar, de modo a serem ainda mais “apetecíveis”?

BC – O que tem de bom é a ampla cobertura mediática. Isso dá condições para expor a marca de forma mais sólida, embora algumas marcas patrocinadoras pequem na complementaridade que é a ativação. Tivemos uma primeira onda de patrocínio em que o foco era exposição de marca. Eles procuravam colocar a sua marca. Veio uma segunda onda em que, além de expor a marca, começaram a ativar a marca. Na terceira onda, a que vivemos agora, além de expor e ativar a marca, procuram engajar o fã à marca. Os patrocinadores precisam de entender isso, porque o futebol brasileiro é farto para isso. Tem exposição mediática, população, consumidor, é o principal desporto brasileiro, uma paixão nacional. Se as marcas se derem conta do quão podem ganhar entrando nisso, mais valor podem gerar e mais ganhos diretos e subjacentes vão conseguir auferir.

 

STAR – A ausência/redução de adeptos nos estádios, está a implicar algum desânimo ou desmotivação no acompanhamento dos clubes à distância e das partidas de futebol?

BC – Acho que não. A vontade vai sendo represada. Vamos ter um período inicial de grande fluxo, assim que haja condições para isso. Existe algo que ajuda muito, que são as redes sociais. São muito presentes neste momento e aqui temos muitos jogos transmitidos pela TV, todos podem ver. Este tema está sempre muito presente em várias plataformas. Este entusiasmo está muito evidenciado nas vendas dos produtos do clube, como já referi. Portanto, há uma vontade de estar ao lado do clube. E lá porque o adepto hoje é multimédia, não quer dizer que não haja espaço para consumo de futebol convencional. O que acho que terá de haver é uma sinergia de marcas. O que está em jogo não é a forma de apresentação, é o saber como posso dar valor à marca. Se puder criar uma visão de cross de situações com a mesma marca, isso é importante. Estou em fase de análise de criação de uma área de e-Sports, mas onde possa integrar perceções dos fãs, para que se possa ir buscar esses fãs para outras áreas um dia. Temos de entender a marca em sentido lato, o que posso fazer com a marca nos vetores onde possa pô-la.

 

STAR – Quer falar-nos um pouco do conceito criado por si, o “Soccerting”? Em que consiste? Foi criado para suprir que tipo de necessidades?

BC – Implementámos no clube e, em 2019, dei até uma palestra no México sobre isso. É uma união entre a emoção e a razão, o “Branding”, a gestão da marca, e o “Selling”, a monetização da marca. Aqui temos trabalhado a marca, o fomento e a perceção, para que ela possa ser monetizada de uma forma sólida. Costumo dizer que é “a marca como essência, a monetização como consequência”. Por exemplo, no caso do “branding”, precisamos de ter ativações de cunho institucional, onde se trabalha posicionamento, reforço e expansão da marca. E a ativação relacional tende a poder criar o engajamento à marca. O posicionamento com engajamento resulta na perceção de marca, a do valor da marca. Aí, podemos ter construção de ativações comerciais, o “selling”, e aí é que monetizamos a marca. Fica muito sólida a forma como construímos esse vaso comunicante. Pensar sempre em reforço, engajamento e posicionamento de marca, para gerar perceção de valor da marca e, portanto, uma precificação da marca. Quem tem marca, tem valor, quem não tem marca, tem preço. É quase uma conversão, porque quanto mais sólido a perceção de valor, o lado emocional, mais se consegue racionalizar na questão da monetização da marca.

 

STAR – O Grémio tem milhões de adeptos, muito deles espalhados pelo mundo, sendo verdadeiros embaixadores. Sabemos que o Beto tem vindo a operar uma revolução positiva no Marketing do Clube. Em matéria de planeamento estratégico, a internacionalização já faz parte do cardápio, ou pondera colocar em prática num futuro próximo?

BC – Temos alguns movimentos nesse sentido. Construímos de maneira muito forte a sua marca nacional. É um clube do Sul e ganhou visibilidade e força em todo o país. É o clube com mais títulos na Libertadores da América. É dos que tem mais títulos na Copa do Brasil, foi campeão brasileiro por duas vezes, o que é difícil aqui. Está sempre no grupo da frente. Marca sempre presença nas competições sul-americanas. Passou fronteiras, já é visto no mundo como um clube de referência. Existe um movimento estratégico de lançar as nossas redes sociais em outras línguas, as escolas do clube em outros lugares como na China ou no EUA. Isso mostra o posicionamento, não podemos lançar a marca sem criar valor. Tudo o que marca, faz marca.

 

STAR – Aqui em Portugal, desde há muitos anos que temos o privilégio de apreciar vários jogadores icónicos que passaram pelo Grêmio. Mário Jardel, Paulo Nunes, Alex Telles ou Everton Cebolinha são alguns deles. Mas existem muitos outros a nível planetário. O Clube mantém algum tipo de relação ou estratégia com esses atletas?

BC – Quem sai daqui, sai do Grêmio, mas o Grêmio não sai dele. Muita da nossa criação de conteúdo é feito em cima deles também. Tudo o que construímos traz sempre esse lado de adepto neles. Eram atletas e viram fãs.

 

STAR – Portugal tem sido um espectador cada vez mais atento ao futebol brasileiro, sobretudo após a ida de técnicos portugueses. Da perspetiva de quem está desse lado, sente que o “produto” está a suscitar igualmente curiosidade e procura por parte dos adeptos brasileiros em relação ao futebol português?

BC – Sem dúvida que sim. Há muitos jogadores a ir para aí, recentemente, embora sempre tenham ido. Jardel, Jonas, Valdo. Isso faz com que haja interesse. Hoje passa mais futebol português, o que há dois anos não acontecia. Os técnicos que vieram para cá com êxito também ajudaram. Mas a língua ser a mesma facilita muito à integração do contexto como um todo.

 

EXTRA – Qual foi o jogador ou jogadores que mais o marcaram e a fizeram apaixonar pelo futebol desde novo? O que o deslumbrava mais?

BC – Sem dúvida Pelé, o maior de todos. Dos mais recentes e dos que eu vi jogar, Valdo para mim era uma referência de habilidade, técnica, entrega e inteligência. Para mim, ele teve um processo muito “bacana”. Sempre fui admirador do futebol de Maradona e de Messi também. O Cristiano Ronaldo é um jogador interessantíssimo, porque, mais do que um jogador de futebol, é um atleta obstinado. Há coisas nele que eu gosto muito, como a obsessão em vencer, que é um pouco como a minha vida, em que eu quis vencer as minhas dificuldades. Quando vejo alguém que tem a determinação de ir em busca do ideal, toca-me muito. Mas, meu ídolo maior do Grêmio era o Yura. Era um jogador de entrega, vontade, de “gremismo” e é um ser humano espetacular.

Ao futebol jogado, eles acrescentam um outro lado. São como uma ponte que aproxima clubes e adeptos, num ecossistema saudável e profícuo para todos. No Brasil, os profissionais do Marketing têm feito escola e catapultaram os clubes para níveis altíssimos fora das quatro linhas também, sobretudo quando era necessária uma resposta à altura. Beto Carvalho foi um deles. Como diretor executivo de Marketing do Grêmio, levou a cabo uma revolução positiva num dos emblemas mais icónicos e foi eleito por três vezes como o melhor do Futebol Brasileiro. Numa viagem transatlântica, a STAR convidou Beto a partilhar ideias e opiniões sobre Marketing no futebol, abordando também o papel que esta vertente tem vindo a desempenhar no sucesso dos clubes canarinhos, dentro e fora de portas.

STAR – Teve um percurso fascinante até chegar ao futebol. Quer falar-nos um pouco dele?

BETO CARVALHO – Com 5 anos de idade, fui sequestrado e acabei ficando extremamente gago. Tive uma adolescência difícil em termos de autoestima, mas tinha muita personalidade acerca disso. Depois da universidade, tive de escolher entre ser engenheiro, para o qual não tinha grande vocação, ou ciências humanas, porque sempre gostei de pessoas. Escolhi engenharia, mas saí com 22 anos e quis enfrentar esta dificuldade que tinha. Gostava de falar e de comunicar, então precisava de vencê-la. Escolhi então ser profissional de vendas, na Xerox. Era daqueles que tinha de vender de porta em porta. Imaginem, 22 anos, engenheiro, gago, a vender dessa forma. Mas aí comecei a entender mais o que seria uma paixão. Tinha a racionalidade da engenharia, mas com a vocação e a paixão pela comunicação. Fiz do limão a limonada. Criei uma determinada forma de comunicar, com muita comunicação corporal. Assumi-me como homem de vendas e fui para marketing depois, fazendo um mestrado. Exerci em empresas, fora do Brasil também. Em 2005, comecei a dar palestras e mais tarde publiquei livros que foram um sucesso de vendas, como “A Azeitona da Empada” (2007), “A Cereja do Bolo” (2009) e “Você é o Cara” (2011). Deixaria depois de ser executivo e passei a atuar na área de consultoria e realização de palestras. Em 2013, voltaria a ser executivo, no futebol, assumindo o marketing do Grêmio, muito pelo amor pelo clube.

 

STAR – Quando surgiu na sua vida a noção de que a gestão do futebol fora do campo é tão importante quanto a que se pratica dentro dele?

BC – O futebol é algo muito desafiador em vários sentidos, mais do que qualquer área. Um dos desafios do próprio marketing no futebol é procurar fazer com que ele seja sustentável, independentemente do resultado em campo, porque, se ficarmos sempre na questão do campo, ficamos muito reféns disso. Quando trabalhamos a construção de determinada marca sobre vários aspetos, conseguimos dar para o consumidor uma perceção nova e diferente. É potencializada pelo campo, claro. Quando as vitórias vêm, facilitam muita coisa. Mas importa haver solidez no processo, para impedir que estas tenham vida própria. Estas questões emocionais são muito importantes, porque lidamos com pessoas e paixão, irracionalidade, mas temos sempre um determinado cerne, que é o amor desse fã à própria marca. Uma das vantagens do futebol para outras áreas é que é um mercado em que o consumidor não troca de marca, é leal. Pode consumir mais ou menos, mas não muda, portanto não há uma concorrência no âmbito específico, apenas no genérico, no sentido do tempo que os adeptos podem gastar noutras coisas.

 

STAR – O futebol brasileiro está num processo evolutivo até ao nível da comunicação e do marketing. Qual pensa ter sido o momento que levou a esse “despertar” dos clubes?

BC – Foi essa importância da perceção de valor da marca. Os clubes têm vindo a investir muito nisso. O Grêmio tem feito um trabalho interessante nessa área, construindo canais e plataformas para isso. Temos planos para algo em breve que será muito importante e inédito. Só não posso adiantar ainda. Cada vez mais, os clubes começam a ver na área de comunicação e relacionamento com o seu fã uma grande vertente de construção de valor. E existem formas diferentes de engajar, dependendo dos públicos. Precisamos de olhar para os exemplos feitos noutros países e fazer um “benchmarking”, mas não é replicá-los, é antes aprender e adaptá-los. Vivemos numa época em que é importante criar valor e que seja um valor que os outros percebam. Não somos o que nós achamos que nós somos, mas o que os outros acham que somos. Se os outros não reconhecerem valor em mim, eu não valho nada. O fã tem de perceber, quantificar e qualificar esse conceito. É esse o desafio diário, auscultar o mercado e formatar algo que possa satisfazer as necessidades, construindo valor também.

 

STAR – Muito haveria a dizer sobre ações levadas a cabo pelo Grêmio, mas, falando apenas do que foi feito esta época, marcada pela pandemia, quais aquelas que destacaria?

BC – Tudo o que nós enfrentámos, tocou muito a todos. Tivemos dois ícones importantes, na minha opinião. Primeiro, as ações de solidariedade. O clube precisou desse foco solidário, foi algo presente, com ações sociais, doações e engajamento de fãs também para este fim. Foi algo importante e que veio para ficar de maneira sólida. Os clubes cumprem hoje uma função social muito importante, não se podem desviar dessa responsabilidade para com fãs e comunidade em geral. O outro ícone teve a ver com as ações nos fãs mais leais, os sócios. O Grêmio é um dos clubes com mais sócios no Brasil e fizemos várias ações de perceção de valor nestes sócios, seja no benefício na compra de produtos, ou nos benefícios futuros, quando voltar a haver jogos com público. Sabemos que a relação do sócio com o fator jogo é muito importante. Está tudo a ser feito dessa forma e o nosso nível de quebra de sócios foi baixo. Tivemos um grande incremento online também, com ações próprias para isso, tornando as nossas compras mais amigáveis e criando ações de estímulo a esse consumo. Em dezembro deste ano, tivemos 40% mais de vendas do que no ano passado, fruto do engajamento ao próprio clube e à marca e à monetização desta marca em relação às nossas lojas.

 

STAR – A pergunta parece especulativa, mas o que poderia dar o futebol europeu ao Grêmio, que o Brasil ou a América do Sul não dão atualmente?

BC – Acho que boas práticas, em todos os sentidos. O nível de profissionalismo do segmento na Europa é muito importante. Temos de estar sempre abertos a tentar aprender e olhar o que se faze de bom e customizar para cá. Ando sempre atento a tudo o que pode ser feito. Por exemplo, acompanho o Liverpool, em termos de trabalho de comunicação nas redes sociais. Temos de estar atentos ao que está a ser feito e esse benchmarking é muito importante, para que possamos aplicar aqui, adaptando à nossa realidade. Hoje, a Europa dota mais as áreas de comunicação e marketing, na sua linha orçamental, do que os clubes da América do Sul.

 

STAR – Em termos de gestão da marca, por onde acha que o Grêmio poderá progredir mais, nos próximos tempos? Em que segmentos de mercado?

BC – No e-Game e na criação de conteúdo. O conteúdo se for rico e bem elaborado é passível de boa monetização. Lançámos redes sociais em espanhol e inglês, o que também é importante.

 

STAR – Relativamente à captação de “sponsors”, na sua opinião, o que têm de bom os clubes e as competições brasileiras e o que devem melhorar, de modo a serem ainda mais “apetecíveis”?

BC – O que tem de bom é a ampla cobertura mediática. Isso dá condições para expor a marca de forma mais sólida, embora algumas marcas patrocinadoras pequem na complementaridade que é a ativação. Tivemos uma primeira onda de patrocínio em que o foco era exposição de marca. Eles procuravam colocar a sua marca. Veio uma segunda onda em que, além de expor a marca, começaram a ativar a marca. Na terceira onda, a que vivemos agora, além de expor e ativar a marca, procuram engajar o fã à marca. Os patrocinadores precisam de entender isso, porque o futebol brasileiro é farto para isso. Tem exposição mediática, população, consumidor, é o principal desporto brasileiro, uma paixão nacional. Se as marcas se derem conta do quão podem ganhar entrando nisso, mais valor podem gerar e mais ganhos diretos e subjacentes vão conseguir auferir.

 

STAR – A ausência/redução de adeptos nos estádios, está a implicar algum desânimo ou desmotivação no acompanhamento dos clubes à distância e das partidas de futebol?

BC – Acho que não. A vontade vai sendo represada. Vamos ter um período inicial de grande fluxo, assim que haja condições para isso. Existe algo que ajuda muito, que são as redes sociais. São muito presentes neste momento e aqui temos muitos jogos transmitidos pela TV, todos podem ver. Este tema está sempre muito presente em várias plataformas. Este entusiasmo está muito evidenciado nas vendas dos produtos do clube, como já referi. Portanto, há uma vontade de estar ao lado do clube. E lá porque o adepto hoje é multimédia, não quer dizer que não haja espaço para consumo de futebol convencional. O que acho que terá de haver é uma sinergia de marcas. O que está em jogo não é a forma de apresentação, é o saber como posso dar valor à marca. Se puder criar uma visão de cross de situações com a mesma marca, isso é importante. Estou em fase de análise de criação de uma área de e-Sports, mas onde possa integrar perceções dos fãs, para que se possa ir buscar esses fãs para outras áreas um dia. Temos de entender a marca em sentido lato, o que posso fazer com a marca nos vetores onde possa pô-la.

 

STAR – Quer falar-nos um pouco do conceito criado por si, o “Soccerting”? Em que consiste? Foi criado para suprir que tipo de necessidades?

BC – Implementámos no clube e, em 2019, dei até uma palestra no México sobre isso. É uma união entre a emoção e a razão, o “Branding”, a gestão da marca, e o “Selling”, a monetização da marca. Aqui temos trabalhado a marca, o fomento e a perceção, para que ela possa ser monetizada de uma forma sólida. Costumo dizer que é “a marca como essência, a monetização como consequência”. Por exemplo, no caso do “branding”, precisamos de ter ativações de cunho institucional, onde se trabalha posicionamento, reforço e expansão da marca. E a ativação relacional tende a poder criar o engajamento à marca. O posicionamento com engajamento resulta na perceção de marca, a do valor da marca. Aí, podemos ter construção de ativações comerciais, o “selling”, e aí é que monetizamos a marca. Fica muito sólida a forma como construímos esse vaso comunicante. Pensar sempre em reforço, engajamento e posicionamento de marca, para gerar perceção de valor da marca e, portanto, uma precificação da marca. Quem tem marca, tem valor, quem não tem marca, tem preço. É quase uma conversão, porque quanto mais sólido a perceção de valor, o lado emocional, mais se consegue racionalizar na questão da monetização da marca.

 

STAR – O Grémio tem milhões de adeptos, muito deles espalhados pelo mundo, sendo verdadeiros embaixadores. Sabemos que o Beto tem vindo a operar uma revolução positiva no Marketing do Clube. Em matéria de planeamento estratégico, a internacionalização já faz parte do cardápio, ou pondera colocar em prática num futuro próximo?

BC – Temos alguns movimentos nesse sentido. Construímos de maneira muito forte a sua marca nacional. É um clube do Sul e ganhou visibilidade e força em todo o país. É o clube com mais títulos na Libertadores da América. É dos que tem mais títulos na Copa do Brasil, foi campeão brasileiro por duas vezes, o que é difícil aqui. Está sempre no grupo da frente. Marca sempre presença nas competições sul-americanas. Passou fronteiras, já é visto no mundo como um clube de referência. Existe um movimento estratégico de lançar as nossas redes sociais em outras línguas, as escolas do clube em outros lugares como na China ou no EUA. Isso mostra o posicionamento, não podemos lançar a marca sem criar valor. Tudo o que marca, faz marca.

 

STAR – Aqui em Portugal, desde há muitos anos que temos o privilégio de apreciar vários jogadores icónicos que passaram pelo Grêmio. Mário Jardel, Paulo Nunes, Alex Telles ou Everton Cebolinha são alguns deles. Mas existem muitos outros a nível planetário. O Clube mantém algum tipo de relação ou estratégia com esses atletas?

BC – Quem sai daqui, sai do Grêmio, mas o Grêmio não sai dele. Muita da nossa criação de conteúdo é feito em cima deles também. Tudo o que construímos traz sempre esse lado de adepto neles. Eram atletas e viram fãs.

 

STAR – Portugal tem sido um espectador cada vez mais atento ao futebol brasileiro, sobretudo após a ida de técnicos portugueses. Da perspetiva de quem está desse lado, sente que o “produto” está a suscitar igualmente curiosidade e procura por parte dos adeptos brasileiros em relação ao futebol português?

BC – Sem dúvida que sim. Há muitos jogadores a ir para aí, recentemente, embora sempre tenham ido. Jardel, Jonas, Valdo. Isso faz com que haja interesse. Hoje passa mais futebol português, o que há dois anos não acontecia. Os técnicos que vieram para cá com êxito também ajudaram. Mas a língua ser a mesma facilita muito à integração do contexto como um todo.

 

EXTRA – Qual foi o jogador ou jogadores que mais o marcaram e a fizeram apaixonar pelo futebol desde novo? O que o deslumbrava mais?

BC – Sem dúvida Pelé, o maior de todos. Dos mais recentes e dos que eu vi jogar, Valdo para mim era uma referência de habilidade, técnica, entrega e inteligência. Para mim, ele teve um processo muito “bacana”. Sempre fui admirador do futebol de Maradona e de Messi também. O Cristiano Ronaldo é um jogador interessantíssimo, porque, mais do que um jogador de futebol, é um atleta obstinado. Há coisas nele que eu gosto muito, como a obsessão em vencer, que é um pouco como a minha vida, em que eu quis vencer as minhas dificuldades. Quando vejo alguém que tem a determinação de ir em busca do ideal, toca-me muito. Mas, meu ídolo maior do Grêmio era o Yura. Era um jogador de entrega, vontade, de “gremismo” e é um ser humano espetacular.