Junho 2020 | Por: STAR – Improve your talent
Com os pés no Marketing e cabeça no Desporto, o nome de Daniel Sá surgiu com naturalidade no núcleo da STAR. O Diretor Executivo do IPAM, autor e guru de Marketing Desportivo possui um amplo conhecimento sobre todos os elementos envoltos no Desporto. Estivemos à conversa para ouvir as suas ideias e desvendar o futuro do Futebol e de outras modalidades.
STAR – O que necessitam os clubes portugueses de fazer para se tornarem produtos mais apetecíveis aos olhos dos sponsors?
Daniel Sá – Duas coisas, fundamentalmente. Primeiro, trabalhar em planos de médio e longo prazo. O futebol tem uma lógica de trabalho muito imediatista, muito de época a época na lógica desportiva, mas, no ponto de vista de negócio, tal como outros sectores de atividade, tem que trabalhar a médio e longo prazo, e acho que esta vertente não tem sido feita da melhor forma pela generalidade do futebol português. Segundo, terminar o clima de guerrilha permanente que está à volta do futebol. É uma indústria que tem aqui quase uma característica de autoflagelação, destruindo-se semanalmente perante consumidores, patrocinadores, público em geral. Se conseguirmos melhorar estes dois aspetos, o “produto futebol” vai tornar-se mais apetecível.
STAR – Numa indústria como a do Futebol, que só por si tem já uma representatividade considerável no PIB português, fará sentido aumentar o grau de formação e consequentemente a profissionalização nesta área?
DS – Faz todo o sentido claro, quer a formação, quer a profissionalização. A formação é indiscutível. Estão ligadas e, na verdade, tem acontecido. O ensino superior tem atualmente vários cursos, não especificamente para futebol, mas relacionados com desporto, onde se forma pessoas com as competências certas para trabalhar nesta área. Temos também dois projetos que considero muito interessantes: a FPF lançou uma academia há três ou quatro anos, para formação de dirigentes desportivos e a Liga Portugal tem duas pós-graduações, em duas áreas distintas também, mas claramente destinada a formar profissionais para a área do Futebol. Quanto à profissionalização, nos últimos anos, os clubes portugueses têm aumentado claramente o número de profissionais a trabalhar nas suas áreas, não apenas na parte desportiva (onde todos já eram profissionais), mas claramente na parte de gestão. Quando falamos das lideranças, seja do marketing, das finanças, dos recursos humanos, por aí fora, ainda vemos na maioria dos clubes um défice muito grande. É difícil uma empresa qualquer evoluir, se não tiver as funções centrais de uma organização profissionalizadas, digamos assim. Mas faz sentido mais profissionalização e, seguramente, mais formação também.
STAR – Na sua opinião, em Portugal, os atletas rentabilizam financeiramente a sua imagem de forma conveniente, ou existe ainda uma “longa estrada” a percorrer?
DS – Claramente uma “longa estrada”. Olhando especificamente para o futebol, acabamos por ter em Portugal o expoente máximo disso. Temos a marca mais valiosa do mundo do desporto atualmente, Cristiano Ronaldo, que está no patamar onde está, do ponto de vista desportivo, que tem um trabalho de gestão de imagem, a tal “longa estrada”, que já é feito há mais de dez anos. Daí para baixo, temos depois um conjunto de estrelas do futebol que fazem um trabalho muito cuidado também, sendo que a maior parte deles não compete na Liga Portuguesa. Mas, quando olhamos para a Liga Portuguesa, vemos que mesmo os atletas mais mediáticos desaproveitam a imagem e a notoriedade que têm. Portanto, acho que há uma “longa estrada”, embora julgue que já começou e já existe sensibilidade dos atletas para este potencial, contudo acho é que muitas vezes não sabem como fazê-lo. Normalmente, a assessoria que têm é o agente e os conhecidos agentes tratam mais da carreira desportiva e não são especializados na gestão da carreira enquanto marca. Creio que há aqui claramente um espaço e uma oportunidade para melhorar tudo nos próximos anos.
STAR – O consumo em exclusivo de futebol estará demasiado enraizado na nossa cultura, ou será possível mudar o paradigma, equilibrando e consumindo outras modalidades em paralelo? Se sim, como?
DS – Há futebol a mais, na minha opinião. É indiscutível que é a modalidade principal, a que tem mais adeptos, a que tem mais clubes, a que tem mais praticantes, a que atraí mais sponsors. Ninguém pensa que o futebol vá ser destronado nesta posição de liderança, isso é indiscutível, mas penso que acaba por deixar muito pouca margem de manobra para outras modalidades, embora ache que há um trabalho muito competente nalgumas modalidades. Mas, de facto, acho que há um esvaziamento destas em detrimento do futebol. Como é que isto se resolve? Não é muito simples, até porque as televisões e os jornais continuam a dar um espaço excessivo ao futebol, mas, se o concedem, é porque as pessoas também o querem, pelo que este é um equilíbrio muito difícil de fazer. Acho que é difícil que se consiga fazer aqui um trabalho coletivo entre todas as modalidades, dado que os interesses são complexos. Creio que a única solução é a lei do mercado, que consiste em cada modalidade competir pelo seu espaço. Se olharmos para o exemplo norte-americano, a NFL, a NBA, o Nascar, entre outras, todas elas lutam para captar adeptos.
STAR – No futuro, com a retoma de público aos estádios em Portugal, pensa que será possível conceber estratégias de marketing eficazes, de forma a captar novamente adeptos, ou o medo e a insegurança de permanecer em aglomerados sociais ditará o comportamento de cada adepto na sua jornada de ingresso ao estádio?
DS – É possível, claro. A primeira nota que eu gostava de aqui dar é: nós vamos todos voltar aos estádios da forma que íamos antes. Estamos todos confiantes de que o mundo vai vencer esta pandemia e, portanto, teremos o comportamento normalizado, que inclui naturalmente as idas aos estádios. Estamos aqui a falar é do período durante pandemia, com as limitações de distanciamento social que existem, e é um período que nós não sabemos se vai demorar mais seis meses, um ano, ano e meio, dois ou três. Não temos certezas. O que acontece aqui com a atração do público para o futebol é, de alguma forma, o que acontece também para todos os outros setores de atividade. Quando olhamos para atividades parecidas, como a música, os espetáculos culturais, a ida ao shopping e a ida ao restaurante, o que temos vindo a assistir é a algum receio natural, alguma dificuldade em ultrapassar medos, Mas, pegando no exemplo do turismo, o que vemos também é toda a indústria com o dilema da procura de soluções, de desenvolver estratégias, de incutir confiança, de arranjar formas alternativas. O futebol vai ter que o fazer também. Parece-me evidente, até porque as receitas de bilheteira, na Europa, nas principais ligas, são uma fatia muito importante nas receitas dos clubes. No caso de Portugal não tanto. À exceção dos três grandes clubes, as receitas de bilheteira não têm assim um peso tão grande. Mas o futebol precisa de adeptos, como é evidente, portanto terá que haver uma estratégia de marketing, que pode ser perfeitamente coordenada pela FPF e pela Liga e depois implementada pelos clubes.
STAR – Os anos passam e o futebol em Portugal continua a debater-se com um problema precário e crónico, a desertificação dos estádios, que poderá vir a adensar-se devido à pandemia. Na sua opinião, quem terá maior “poder” para contrariar esta situação: os clubes, as entidades organizadoras de competições, as entidades governativas ou o comum adepto?
DS – Claramente os clubes e quem organiza, ou seja, mais uma vez entramos na lógica da lei do mercado. Uma ida ao futebol é uma forma de gastarmos o nosso tempo livre, só que não é a única solução para gastar o tempo livre, temos o cinema, a música, o teatro. Todas as pessoas do futebol precisam de entender quem são os seus competidores que lutam pelo tempo e pelo dinheiro no tempo livre dos portugueses, pensando no problema que é, os portugueses gastarem apenas 3% dos seus rendimentos em tempo livre. Estamos a falar de uma competição muito grande. Acho que não há uma desertificação apesar de tudo. A média de assistências dos últimos 10 anos da Liga Portuguesa é de cerca de 11 mil adeptos por jogo, o que não é uma média má, o problema é que 2/3 desta média é influenciada pelos três grandes. Portanto, quando isolamos esse fator, então sim, temos um problema na média de assistências do futebol português, pois há clubes que têm níveis muito baixos. Julgo que os clubes têm sido preguiçosos honestamente, têm estado confortavelmente sentados, com o dinheiro fácil que advém dos direitos televisivos, e não têm dedicado o esforço e o tempo suficientes para a atração de adeptos ao estádio. Do meu ponto de vista, não temos assistido a uma política muito clara de atração de espetadores, não vemos uma segmentação, não vemos posicionamento, não vemos um sistema de ticketing eficaz. Ainda hoje, na maioria dos clubes portugueses, quase que ainda é preciso dirigir-se a uma sede para comprar um bilhete de jogo. Os clubes pararam no tempo, neste ponto de vista, deixaram de lutar pelos adeptos e inevitavelmente têm que o fazer.
STAR – Como observa o trabalho que os departamentos de marketing dos clubes portugueses têm vindo a executar ao longo dos últimos anos?
DS – Acho que temos do melhor e do pior em Portugal. Considero que FPF, Liga Portugal, Benfica, FC Porto e Sporting fazem marketing desportivo do melhor que há no mundo, inclusivamente várias das práticas feitas cá em Portugal foram copiadas por outros clubes, noutras realidades, noutros países. Acho que temos um conjunto de profissionais de marketing de topo em Portugal, está é limitado a poucos clubes, ou a poucas entidades. A partir daqui, temos uma espécie de segunda linha de clubes que fazem já um trabalho muito interessante, como V. Guimarães, Sp. Braga ou Rio Ave. Existe uma linha de clubes que apresentam já um trabalho sustentado, estratégico, com equipas profissionais e com resultados interessantes, a meu ver. Mas depois o problema é que, a partir daí, a função está muito pouco profissionalizada e, portanto, voltamos ao que referi anteriormente, ou seja, não havendo recursos e pessoas em full-time, é impossível que existam bons resultados.
STAR – Nos últimos tempos, temos vindo a denotar uma exacerbada dependência dos clubes no que diz respeito às receitas provenientes do broadcasting televisivo. Terão os clubes portugueses capacidade de reduzir essa dependência, promovendo novas fontes de receitas, ou estarão já exploradas na sua quase totalidade?
DS – Acho que não estão exploradas na totalidade e devem promovê-las, como é evidente. No padrão europeu das “big five”, o broadcasting televisivo representa cerca de 35% das receitas de um clube, enquanto que, para a maioria dos clubes portugueses, chega a representar quase 90%. Há uma dependência absolutamente brutal das receitas televisivas. Diz o bom senso que, em qualquer negócio, não podemos estar dependentes de uma fonte de receitas apenas, portanto, acho que é inevitável que os clubes considerem novas formas de promover receitas. Há um enorme potencial e acredito e espero que nos próximos anos esta dependência da televisão seja menor, embora terá sempre um papel muito relevante. A televisão é um parceiro absolutamente indiscutível para a indústria do futebol, mas não pode haver uma dependência tão significativa, como se observa no caso português, em particular.
STAR – Temos vindo a observar um enorme crescimento dos e-Sports à escala global. Que impacto poderá ter este fenómeno nas gerações mais novas e nos eventos desportivos presenciais? Poderá culminar numa retração?
DS – Os primeiros indicadores sobre os e-Sports são absolutamente espantosos. Nos últimos 5 anos, foi uma área que cresceu de uma forma brutal. A meu ver, por um lado é complementar à indústria do desporto, mas por outro lado, voltando aquela ideia da indústria do tempo livre, acho que estamos a falar de mais um player. Este player pode, no fundo, dificultar o desporto tradicional, do ponto de vista do negócio, porque atrai praticantes, atrai adeptos e atrai patrocinadores. É uma indústria que está em fase de crescimento explosiva e que os próprios clubes tradicionais têm procurado agregar junto do seu portefólio, mas que deve ser visto com muita calma, para que não se corra o risco de canibalizar o desporto tradicional, e nós temos visto uma movimentação tremenda de patrocinadores tradicionais a estarem nos e-Sports. Veremos como é que isto tudo se vai gerir nos próximos anos.
STAR – Sente que o efeito globalização do futebol e o fácil acesso pela via digital, faz com que as gerações mais novas percam o sentimento afetivo relativamente às marcas locais e nacionais (clubes e atletas), em detrimento dos grandes ícones mundiais?
DS – Sem dúvida, nos meus 44 anos, habituei-me a ser adepto de um clube (português) e tive um acesso limitado à vida desse clube durante uma boa parte da minha vida. Ia sabendo as notícias pelos jornais, pela rádio, pela televisão. Hoje, nos mesmos 44 anos, consigo saber praticamente tudo sobre qualquer clube do mundo. Isto é uma transformação muito significativa, obviamente. O convencional hoje é nós sermos adeptos de um clube do nosso país, da nossa cidade, diria quase emocionalmente. Ou seja, esta globalização permite que eu seja adepto para além do meu clube, também de outros, de outros países, na medida em que consigo acompanhar, interagir, consigo consumir e, portanto, acaba por haver uma dispersão da paixão. Isto coloca novos desafios a toda a indústria do futebol.
STAR – Na sua perspetiva, o que poderá trazer de novo a tecnologia 5G à indústria do Desporto e do Futebol em particular? Novos mercados? Novas oportunidades?
DS – É evidente que sim. A tecnologia tem revolucionado todas as indústrias e também o fará, obviamente, na do futebol. Temos seguramente novos mercados e novas oportunidades também neste território, porque acaba por permitir que chegue a mais pessoas e a novos públicos, inclusivamente atravessando fronteiras. Um exemplo muito simples: nós só conseguimos meter, em média, 40 ou 50 mil espetadores num estádio, ou seja, é um número muito pequeno aquele que consegue ter uma experiência ao vivo, porque a quase totalidade dos adeptos do futebol consome-o à distância e não ao vivo. Portanto, acho que há um território absolutamente incrível de oportunidades que a tecnologia pode permitir, inclusivamente na diversificação das receitas que tão necessária é no mundo do futebol.
STAR – O investimento no futebol feminino parece ter vindo a crescer nos últimos anos. Será possível as modalidades femininas ficarem em “pé de igualdade” com as masculinas?
DS – Acho possível, pode demorar algum tempo, apenas porque a diferença atualmente é abismal e não se consegue resolver de um dia para o outro. Nós temos já esse cenário no ténis, onde o feminino e o masculino estão perfeitamente equilibrados atualmente. Nos Estados Unidos da América, no território do futebol isto também já tem acontecido, mas na Europa propriamente dita, a diferença é abismal. Portanto, acho que pode e deve acontecer, provavelmente demorará mais algum tempo a acontecer. Todas as federações e alguns clubes devem também fazer uma aposta muito grande. Novamente, acho que há aqui um enorme potencial para o mundo do futebol.
Com os pés no Marketing e cabeça no Desporto, o nome de Daniel Sá surgiu com naturalidade no núcleo da STAR. O Diretor Executivo do IPAM, autor e guru de Marketing Desportivo possui um amplo conhecimento sobre todos os elementos envoltos no Desporto. Estivemos à conversa para ouvir as suas ideias e desvendar o futuro do Futebol e de outras modalidades.
STAR – O que necessitam os clubes portugueses de fazer para se tornarem produtos mais apetecíveis aos olhos dos sponsors?
Daniel Sá – Duas coisas, fundamentalmente. Primeiro, trabalhar em planos de médio e longo prazo. O futebol tem uma lógica de trabalho muito imediatista, muito de época a época na lógica desportiva, mas, no ponto de vista de negócio, tal como outros sectores de atividade, tem que trabalhar a médio e longo prazo, e acho que esta vertente não tem sido feita da melhor forma pela generalidade do futebol português. Segundo, terminar o clima de guerrilha permanente que está à volta do futebol. É uma indústria que tem aqui quase uma característica de autoflagelação, destruindo-se semanalmente perante consumidores, patrocinadores, público em geral. Se conseguirmos melhorar estes dois aspetos, o “produto futebol” vai tornar-se mais apetecível.
STAR – Numa indústria como a do Futebol, que só por si tem já uma representatividade considerável no PIB português, fará sentido aumentar o grau de formação e consequentemente a profissionalização nesta área?
DS – Faz todo o sentido claro, quer a formação, quer a profissionalização. A formação é indiscutível. Estão ligadas e, na verdade, tem acontecido. O ensino superior tem atualmente vários cursos, não especificamente para futebol, mas relacionados com desporto, onde se forma pessoas com as competências certas para trabalhar nesta área. Temos também dois projetos que considero muito interessantes: a FPF lançou uma academia há três ou quatro anos, para formação de dirigentes desportivos e a Liga Portugal tem duas pós-graduações, em duas áreas distintas também, mas claramente destinada a formar profissionais para a área do Futebol. Quanto à profissionalização, nos últimos anos, os clubes portugueses têm aumentado claramente o número de profissionais a trabalhar nas suas áreas, não apenas na parte desportiva (onde todos já eram profissionais), mas claramente na parte de gestão. Quando falamos das lideranças, seja do marketing, das finanças, dos recursos humanos, por aí fora, ainda vemos na maioria dos clubes um défice muito grande. É difícil uma empresa qualquer evoluir, se não tiver as funções centrais de uma organização profissionalizadas, digamos assim. Mas faz sentido mais profissionalização e, seguramente, mais formação também.
STAR – Na sua opinião, em Portugal, os atletas rentabilizam financeiramente a sua imagem de forma conveniente, ou existe ainda uma “longa estrada” a percorrer?
DS – Claramente uma “longa estrada”. Olhando especificamente para o futebol, acabamos por ter em Portugal o expoente máximo disso. Temos a marca mais valiosa do mundo do desporto atualmente, Cristiano Ronaldo, que está no patamar onde está, do ponto de vista desportivo, que tem um trabalho de gestão de imagem, a tal “longa estrada”, que já é feito há mais de dez anos. Daí para baixo, temos depois um conjunto de estrelas do futebol que fazem um trabalho muito cuidado também, sendo que a maior parte deles não compete na Liga Portuguesa. Mas, quando olhamos para a Liga Portuguesa, vemos que mesmo os atletas mais mediáticos desaproveitam a imagem e a notoriedade que têm. Portanto, acho que há uma “longa estrada”, embora julgue que já começou e já existe sensibilidade dos atletas para este potencial, contudo acho é que muitas vezes não sabem como fazê-lo. Normalmente, a assessoria que têm é o agente e os conhecidos agentes tratam mais da carreira desportiva e não são especializados na gestão da carreira enquanto marca. Creio que há aqui claramente um espaço e uma oportunidade para melhorar tudo nos próximos anos.
STAR – O consumo em exclusivo de futebol estará demasiado enraizado na nossa cultura, ou será possível mudar o paradigma, equilibrando e consumindo outras modalidades em paralelo? Se sim, como?
DS – Há futebol a mais, na minha opinião. É indiscutível que é a modalidade principal, a que tem mais adeptos, a que tem mais clubes, a que tem mais praticantes, a que atraí mais sponsors. Ninguém pensa que o futebol vá ser destronado nesta posição de liderança, isso é indiscutível, mas penso que acaba por deixar muito pouca margem de manobra para outras modalidades, embora ache que há um trabalho muito competente nalgumas modalidades. Mas, de facto, acho que há um esvaziamento destas em detrimento do futebol. Como é que isto se resolve? Não é muito simples, até porque as televisões e os jornais continuam a dar um espaço excessivo ao futebol, mas, se o concedem, é porque as pessoas também o querem, pelo que este é um equilíbrio muito difícil de fazer. Acho que é difícil que se consiga fazer aqui um trabalho coletivo entre todas as modalidades, dado que os interesses são complexos. Creio que a única solução é a lei do mercado, que consiste em cada modalidade competir pelo seu espaço. Se olharmos para o exemplo norte-americano, a NFL, a NBA, o Nascar, entre outras, todas elas lutam para captar adeptos.
STAR – No futuro, com a retoma de público aos estádios em Portugal, pensa que será possível conceber estratégias de marketing eficazes, de forma a captar novamente adeptos, ou o medo e a insegurança de permanecer em aglomerados sociais ditará o comportamento de cada adepto na sua jornada de ingresso no estádio?
DS – É possível, claro. A primeira nota que eu gostava de aqui dar é: nós vamos todos voltar aos estádios da forma que íamos antes. Estamos todos confiantes de que o mundo vai vencer esta pandemia e, portanto, teremos o comportamento normalizado, que inclui naturalmente as idas aos estádios. Estamos aqui a falar é do período durante pandemia, com as limitações de distanciamento social que existem, e é um período que nós não sabemos se vai demorar mais seis meses, um ano, ano e meio, dois ou três. Não temos certezas. O que acontece aqui com a atração do público para o futebol é, de alguma forma, o que acontece também para todos os outros setores de atividade. Quando olhamos para atividades parecidas, como a música, os espetáculos culturais, a ida ao shopping e a ida ao restaurante, o que temos vindo a assistir é a algum receio natural, alguma dificuldade em ultrapassar medos, Mas, pegando no exemplo do turismo, o que vemos também é toda a indústria com o dilema da procura de soluções, de desenvolver estratégias, de incutir confiança, de arranjar formas alternativas. O futebol vai ter que o fazer também. Parece-me evidente, até porque as receitas de bilheteira, na Europa, nas principais ligas, são uma fatia muito importante nas receitas dos clubes. No caso de Portugal não tanto. À exceção dos três grandes clubes, as receitas de bilheteira não têm assim um peso tão grande. Mas o futebol precisa de adeptos, como é evidente, portanto terá que haver uma estratégia de marketing, que pode ser perfeitamente coordenada pela FPF e pela Liga e depois implementada pelos clubes.
STAR – Os anos passam e o futebol em Portugal continua a debater-se com um problema precário e crónico, a desertificação dos estádios, que poderá vir a adensar-se devido à pandemia. Na sua opinião, quem terá maior “poder” para contrariar esta situação: os clubes, as entidades organizadoras de competições, as entidades governativas ou o comum adepto?
DS – Claramente os clubes e quem organiza, ou seja, mais uma vez entramos na lógica da lei do mercado. Uma ida ao futebol é uma forma de gastarmos o nosso tempo livre, só que não é a única solução para gastar o tempo livre, temos o cinema, a música, o teatro. Todas as pessoas do futebol precisam de entender quem são os seus competidores que lutam pelo tempo e pelo dinheiro no tempo livre dos portugueses, pensando no problema que é, os portugueses gastarem apenas 3% dos seus rendimentos em tempo livre. Estamos a falar de uma competição muito grande. Acho que não há uma desertificação apesar de tudo. A média de assistências dos últimos 10 anos da Liga Portuguesa é de cerca de 11 mil adeptos por jogo, o que não é uma média má, o problema é que 2/3 desta média é influenciada pelos três grandes. Portanto, quando isolamos esse fator, então sim, temos um problema na média de assistências do futebol português, pois há clubes que têm níveis muito baixos. Julgo que os clubes têm sido preguiçosos honestamente, têm estado confortavelmente sentados, com o dinheiro fácil que advém dos direitos televisivos, e não têm dedicado o esforço e o tempo suficientes para a atração de adeptos ao estádio. Do meu ponto de vista, não temos assistido a uma política muito clara de atração de espetadores, não vemos uma segmentação, não vemos posicionamento, não vemos um sistema de ticketing eficaz. Ainda hoje, na maioria dos clubes portugueses, quase que ainda é preciso dirigir-se a uma sede para comprar um bilhete de jogo. Os clubes pararam no tempo, neste ponto de vista, deixaram de lutar pelos adeptos e inevitavelmente têm que o fazer.
STAR – Como observa o trabalho que os departamentos de marketing dos clubes portugueses têm vindo a executar ao longo dos últimos anos?
DS – Acho que temos do melhor e do pior em Portugal. Considero que FPF, Liga Portugal, Benfica, FC Porto e Sporting fazem marketing desportivo do melhor que se faz no mundo, inclusivamente várias das práticas feitas cá em Portugal foram copiadas por outros clubes, noutras realidades, noutros países. Acho que temos um conjunto de profissionais de marketing de topo em Portugal, está é limitado a poucos clubes, ou a poucas entidades. A partir daqui, temos uma espécie de segunda linha de clubes que fazem já um trabalho muito interessante, como V. Guimarães, Sp. Braga ou Rio Ave. Existe uma linha de clubes que apresentam já um trabalho sustentado, estratégico, com equipas profissionais e com resultados interessantes, a meu ver. Mas depois o problema é que, a partir daí, a função está muito pouco profissionalizada e, portanto, voltamos ao que referi anteriormente, ou seja, não havendo recursos e pessoas em full-time, é impossível que existam bons resultados.
STAR – Nos últimos tempos, temos vindo a denotar uma exacerbada dependência dos clubes no que diz respeito às receitas provenientes do broadcasting televisivo. Terão os clubes portugueses capacidade de reduzir essa dependência, promovendo novas fontes de receitas, ou estarão já exploradas na sua quase totalidade?
DS – Acho que não estão exploradas na totalidade e devem promovê-las, como é evidente. No padrão europeu das “big five”, o broadcasting televisivo representa cerca de 35% das receitas de um clube, enquanto que, para a maioria dos clubes portugueses, chega a representar quase 90%. Há uma dependência absolutamente brutal das receitas televisivas. Diz o bom senso que, em qualquer negócio, não podemos estar dependentes de uma fonte de receitas apenas, portanto, acho que é inevitável que os clubes considerem novas formas de promover receitas. Há um enorme potencial e acredito e espero que nos próximos anos esta dependência da televisão seja menor, embora terá sempre um papel muito relevante. A televisão é um parceiro absolutamente indiscutível para a indústria do futebol, mas não pode haver uma dependência tão significativa, como se observa no caso português, em particular.
STAR – Temos vindo a observar um enorme crescimento dos e-Sports à escala global. Que impacto poderá ter este fenómeno nas gerações mais novas e nos eventos desportivos presenciais? Poderá culminar numa retração?
DS – Os primeiros indicadores sobre os e-Sports são absolutamente espantosos. Nos últimos 5 anos, foi uma área que cresceu de uma forma brutal. A meu ver, por um lado é complementar à indústria do desporto, mas por outro lado, voltando aquela ideia da indústria do tempo livre, acho que estamos a falar de mais um player. Este player pode, no fundo, dificultar o desporto tradicional, do ponto de vista do negócio, porque atrai praticantes, atrai adeptos e atrai patrocinadores. É uma indústria que está em fase de crescimento explosiva e que os próprios clubes tradicionais têm procurado agregar junto do seu portefólio, mas que deve ser visto com muita calma, para que não se corra o risco de canibalizar o desporto tradicional, e nós temos visto uma movimentação tremenda de patrocinadores tradicionais a estarem nos e-Sports. Veremos como é que isto tudo se vai gerir nos próximos anos.
STAR – Sente que o efeito globalização do futebol e o fácil acesso pela via digital, faz com que as gerações mais novas percam o sentimento afetivo relativamente às marcas locais e nacionais (clubes e atletas), em detrimento dos grandes ícones mundiais?
DS – Sem dúvida, nos meus 44 anos, habituei-me a ser adepto de um clube (português) e tive um acesso limitado à vida desse clube durante uma boa parte da minha vida. Ia sabendo as notícias pelos jornais, pela rádio, pela televisão. Hoje, nos mesmos 44 anos, consigo saber praticamente tudo sobre qualquer clube do mundo. Isto é uma transformação muito significativa, obviamente. O convencional hoje é nós sermos adeptos de um clube do nosso país, da nossa cidade, diria quase emocionalmente. Ou seja, esta globalização permite que eu seja adepto para além do meu clube, também de outros, de outros países, na medida em que consigo acompanhar, interagir, consigo consumir e, portanto, acaba por haver uma dispersão da paixão. Isto coloca novos desafios a toda a indústria do futebol.
STAR – Na sua perspetiva, o que poderá trazer de novo a tecnologia 5G à indústria do Desporto e do Futebol em particular? Novos mercados? Novas oportunidades?
DS – É evidente que sim. A tecnologia tem revolucionado todas as indústrias e também o fará, obviamente, na do futebol. Temos seguramente novos mercados e novas oportunidades também neste território, porque acaba por permitir que chegue a mais pessoas e a novos públicos, inclusivamente atravessando fronteiras. Um exemplo muito simples: nós só conseguimos meter, em média, 40 ou 50 mil espetadores num estádio, ou seja, é um número muito pequeno aquele que consegue ter uma experiência ao vivo, porque a quase totalidade dos adeptos do futebol consome-o à distância e não ao vivo. Portanto, acho que há um território absolutamente incrível de oportunidades que a tecnologia pode permitir, inclusivamente na diversificação das receitas que tão necessária é no mundo do futebol.
STAR – O investimento no futebol feminino parece ter vindo a crescer nos últimos anos. Será possível as modalidades femininas ficarem em “pé de igualdade” com as masculinas?
DS – Acho possível, pode demorar algum tempo, apenas porque a diferença atualmente é abismal e não se consegue resolver de um dia para o outro. Nós temos já esse cenário no ténis, onde o feminino e o masculino estão perfeitamente equilibrados atualmente. Nos Estados Unidos da América, no território do futebol isto também já tem acontecido, mas na Europa propriamente dita, a diferença é abismal. Portanto, acho que pode e deve acontecer, provavelmente demorará mais algum tempo a acontecer. Todas as federações e alguns clubes devem também fazer uma aposta muito grande. Novamente, acho que há aqui um enorme potencial para o mundo do futebol.