Diogo David:

"Em breve seremos referência também no eSports"

Março 2021 | Nuno Aguiar-Branco & Tiago F. Silva

O futebol como o conhecemos ganhou uma dimensão virtual muito antes de a pandemia a forçar. Nos últimos anos, a indústria do eSports cresceu de forma vertiginosa e hoje já valerá mais de mil milhões de dólares. Em Portugal, a consolidação tem sido igualmente positiva e, para isso, muito contribuiu Diogo David. Desde 2017, exerce o cargo de eSports Manager da Liga Portugal, já depois de ter estado no FC Porto, com outras funções. Ao todo soma já uma década de futebol, em várias vertentes. A STAR convidou então Diogo David para “trocar umas bolas” sobre o fenómeno do eSports, em busca de respostas sobre o presente e o futuro da indústria em Portugal.

 

STAR – Comecemos com uma breve contextualização. Para quem não está tão familiarizado, que fenómeno é este do eSports?

DIOGO DAVID – Faz-se sempre alguma confusão entre eSports e Gaming. O Gaming é quando se joga qualquer videojogo, já o eSports é quando alguém compete em videojogos. É sempre a primeira confusão que cria nas pessoas. Quando pegamos no telemóvel e jogamos Candy Crush ou jogamos FIFA em casa, isso é Gaming. Quando jogamos contra alguém em competição, isso já são eSports. É competição ligada a videojogos, uma parte que compõe a indústria do Gaming. Fazendo uma analogia, jogar futebol com amigos é Gaming, jogar em competição com amigos é eSports.

STAR – A evolução tecnológica acelerou a expansão da indústria. Quando e como surgiu a necessidade de apostar no eSports?

D.D. – A Liga Portugal começou por apostar no eSports há cerca de quatro anos e a nossa postura sempre foi a de tentar chegar às camadas mais jovens, que são cada vez mais incapazes de conseguir acompanhar um jogo de futebol durante 90 minutos ou de estar muito tempo sem ir ao telemóvel. A estes, se calhar interessa mais ver um jogo de futebol com o telemóvel na mão e ver o golo, ou estar no estádio e acompanhar o jogo no telemóvel em simultâneo. É diferente do que acontecia antes, em que iam ao estádio ver o jogo com os pais e ficavam ali. Verificámos que uma boa forma de chegar a esses jovens era através do eSports, porque dessa forma jogavam videojogos ligados a futebol e se calhar reconheceriam mais facilmente os jogadores através desses jogos do que propriamente indo aos estádios e reconhecer um ou outro jogador. Tentámos juntar então o futebol real e da nossa Liga com o eSports, criando uma competição, de forma a envolver os nossos clubes e envolvê-los com as camadas mais jovens. Queremos que os mais jovens reconheçam jogadores como representantes do clube do seu coração. Ao jogarem, fazem esse reconhecimento. Tentámos fazer esta junção entre o real e os videojogos, neste caso o FIFA.

 

STAR – Pelo que pudemos ver, o foco nesta área implicou também uma decisão de mudança na sua vida académica e profissional.

D.D. – A minha vida profissional é quase um “case study”. Comecei na área financeira, dei o passo para a área do marketing e dos patrocínios, ligada ao futebol, o que foi bom, porque o já estar na área facilitou-me depois esta mudança. Passei então do fato e gravata, para as sapatilhas e camisa. Cheguei a uma área totalmente diferente como a do eSports. Há 15 anos, nunca pensei que estaria hoje a falar e a organizar competições de eSports. Deram-me um bebé para a mão e foi crescendo, ao ponto de estar 100% focado nesta área. Agora talvez até veja mais Twitch do que futebol, para ir buscar mais ideias. Fiz também um curso online sobre eSports no Cruyff Institute, para procurar saber coisas que não sabia. Portanto, foi sempre uma caminhada, seguindo por onde podia, sem nunca ter um caminho definido. Devemos gostar sempre do que fazemos e dar o máximo. Isto é um trabalho de equipa e quando vejo que o nosso trabalho é reconhecido pelos atletas e pelos clubes, é muito bom. A própria comunicação social também já vai tendo secções dedicadas ao eSports. Estamos a aprender também e temos de ter o cuidado de chegar a todo o lado, com base num trabalho de comunicação.

 

STAR – Quais os desafios com que se deparou e quais aqueles que vão subsistindo?

D.D. – O grande desafio, tanto a nível nacional, como internacional, é sem dúvida a questão da legislação e o não existir uma conduta para as organizações se guiarem. Cada organização que desenvolve torneios destas modalidades tem a sua própria regulamentação e não há normas que todas tenham de cumprir. Temos o nosso regulamento, a FPF tem outra. No nosso caso, que temos apenas o FIFA, as únicas diretrizes que temos de seguir é do “publisher” do jogo, a EA (Electronic Arts). É uma guerra enorme entre associações e federações que foram surgindo, porque não há nada padronizado. Na Liga Portugal estamos fora disso, porque queremos fazer as competições e não fazer o papel das federações. O Governo já começa a envolver-se e é importante, porque a maioria das pessoas que joga neste tipo de competições é muito nova. Houve já audiências parlamentares, na tentativa de dar o estatuto de utilidade pública a uma destas federações, mas ainda nada andou para a frente. A título de exemplo, na China, ser jogador de eSports já é reconhecido como uma profissão pelo Governo e tem até um CAE (Código Atividade Económica). Aqui, estamos a tentar tornar o eSports o mais profissional possível e temos vindo a realizar um trabalho muito positivo nesse sentido.

 

STAR – Tem ideia de quantos profissionais de eSports temos em Portugal e se já é possível fazer vida exclusivamente disso?

D.D. – Em termos de profissionais, ainda não há muitos. Que se ocupem apenas e só da prática de FIFA e com ordenados bastante bons devem ser no máximo dez. Praticantes de FIFA devem ser cerca de 150 mil. A faixa etária é muito fácil de identificar. Aqui limitamos a entrada a participantes maiores de 18 anos. Alargámos a idades inferiores antes, mas os jovens necessitavam de ir com os pais e ter a presença deles, então limitamos por uma questão de operacionalização dos torneios. A faixa etária dominante é 18-35 anos, com quase 70% e sobretudo homens. Vejo com agrado que há já mulheres a participar em competições de FIFA. No Dia Internacional da Mulher vi Sp. Braga, Gil Vicente e Tondela a juntarem-se numa ação que envolveu jogadoras de FIFA.

 

STAR – Apesar de recente, é uma indústria em progressão. Salientou recentemente que os clubes portugueses recrutaram jogadores de alto nível. Já há presença em torneios FIFA. Falta muito para sermos referência também nesta vertente?

D.D. – Acho que não. Já costumamos ter jogadores no topo das grandes competições internacionais. Há cerca de dois anos tivemos dois jogadores no top-8 da EA, o “Tuga810” e o “RastaArtur”, estão habituados a competir internacionalmente. Tivemos o “JOliveira10” que já ganhou uma competição internacional. O FIFA em Portugal está bem representado e é bom porque, no caso da eLiga, temos de facto os melhores jogadores nacionais a competir e alguns jogadores já fazem bons resultados lá fora, qualificando-se para fases finais em Europeus. Estamos a evoluir bem. É certo que é mais fácil para os jogadores profissionais, mas já sentimos essa dificuldade de organizar uma competição que queremos que seja o mais profissional possível, quando na realidade os jogadores não o são, continuam com limitações em termos de disponibilidade. É um trabalho que ainda teremos de fazer. Mas já somos uma referência no mundo do FIFA lá fora e temos jogadores a baterem-se muito bem.

 

STAR – Como surgiu a ideia de criar competições como a eLiga e similares?

D.D. – Começámos a desenvolver a competição, primeiro para captar a atenção dos mais jovens. Segundo, porque constatámos que as ligas europeias já tinham também as suas competições. Há algumas já consolidadas, por exemplo na Alemanha, Países Baixos, Espanha. Não quisemos ficar atrás, criámos a nossa competição e tem crescido de ano para ano. Começámos por uma competição de dois dias, num cinema. No ano passado já durou uma semana, mas foi online, devido à pandemia. Este ano demos um passo gigante, com uma competição que dura uma época inteira, dividida em duas temporadas e com um prémio de 50 mil euros, ao invés dos habituais 5 mil. Aqui se vê o quanto a Liga Portugal está a investir no eSports neste momento. Isso aconteceu porque fizemos um trabalho de “benchmarking”, para ver o que se fazia lá fora. Estamos a construir o nosso caminho, o nosso espaço, a nossa competição. Para o ano vai ser ainda melhor. Esperamos já ter os 18 clubes da Liga NOS, para depois fazer quase uma competição paralela à real, durante uma época inteira, e criar um ecossistema todo de eSports dentro da própria Liga. A questão, para já, é que as competições da EA se focam mais nos jogadores e não tanto nos clubes. Temos uma Champions League que foca um jogador individual, não tanto o clube. Já o eClub World Cup da FIFA foca mais nos clubes. É necessário haver uma competição europeia de clubes, à semelhança da Champions League. Já quase todas as maiores ligas europeias têm eSports e os clubes têm uma máquina por detrás que pode alavancar tanto a notoriedade de jogadores, como a obtenção de receitas, portanto, seria mais interessante para nós. Interessa-nos as Sociedades Desportivas e não as equipas de Gaming, embora saibamos a sua importância. A Liga Portugal é constituída pelas Sociedades Desportivas, então é esse o nosso foco e é isso que temos de incentivar.

 

STAR – Como tem sido a reação das marcas ao evidente crescimento do setor e de que forma a Liga Portugal tem sido capaz de captar investimento?

D.D. – Desde a primeira hora, tivemos uma ajuda muito importante da Allianz. Até hoje, sempre foi uma marca que nos apoiou bastante e temos sempre uma competição patrocinada pela Allianz. Depois, temos também uma parceria muito importante com a PlayStation, que é uma marca de referência e que nos ajuda em material e em tudo mais. Fazer uma competição de eSports envolve todo um trabalho prévio, de logística, portanto há sempre oportunidade de ir buscar essas marcas para trabalharem connosco. Tivemos agora o apoio de marcas como a Uber Eats e a PCComponentes, que só mostra que o trabalho que desenvolvemos foi do agrado das marcas. Os números foram bons e tivemos o cuidado de ter sempre conversas prévias com os clubes e as marcas. Ainda não estavam totalmente seguras acerca da indústria do eSports, mas o que verificamos é que as marcas que entram estão satisfeitas, porque conseguem chegar ao nicho que, de forma mais tradicional, não conseguiriam. O investimento em Portugal e no FIFA ainda não é muito grande, mas lá fora há competições com prémios absurdos, na ordem dos milhões de euros. Depois existem casos como o da Louis Vuitton e a Fortnite, em que os jogadores estão vestidos pela marca. O próprio Sporting CP já se associou a este videojogo também e tem os seus equipamentos no jogo. Marcas automóveis que se associam aos videojogos de F1. Há também muitas empresas de “betting” a entrar, a patrocinar tanto equipas como jogadores, o que por um lado é bom, porque dinamiza a indústria, mas é preciso alguma reserva, porque a maioria dos praticantes é muito jovem e é preciso bom-senso. Mas nota-se que as marcas investem muito, na tentativa de captar nichos grandes.

 

STAR – São já vários os futebolistas profissionais a dar cartas também no eSports. Existe algum tipo de estratégia de convergência entre as duas indústrias?

D.D. – Acredito que a envolvência deles começou por simpatia, mas à medida que se foi tornando um negócio, também não quiseram ficar de fora. E a verdade é que os jovens gostam também de estar associados a um grande jogador no FIFA. Traz-lhes reconhecimento, o que também é bom. O “Toto” Salvio, por exemplo, montou uma empresa de Gaming aqui em Portugal. Veem que a indústria está a crescer e, em vez de fazerem investimentos noutras áreas, investem agora nos eSports. A convergência deles é por aí. Na Liga Portugal, a nossa convergência é sempre no sentido de alavancar o nosso produto que é o futebol nos eSports. Nunca foi numa ótica de negócio, tanto que, até agora, nunca conseguimos rentabilizar o negócio. É antes uma espécie de estratégia de marketing associada. A nossa ideia é alavancar o produto futebol através do eSports e chegar onde não estávamos a conseguir, nas camadas mais jovens. Queremos essa convergência e os números mostram que temos cada vez mais pessoas a seguir as nossas competições, tanto nas redes sociais, como nas transmissões na Twitch ou na Sport TV.

 

STAR – Acredita que esta indústria poderá ser uma ameaça à convencional, a longo prazo, ou apenas complementar?

D.D. – Acho que poderá ser uma ameaça, mas, ao mesmo tempo, um incentivo. O futebol deve saber tirar partido deste crescimento da indústria. Não é uma ameaça em si, porque acho que o futebol nunca deixará de ser o desporto-rei. Tenho um filho pequeno, com um ano, e já anda sempre agarrado a uma bola. O futebol vai continuar a ser um desporto presente na nossa cultura. Acho é que o crescimento do Gaming e dos eSports poderá ser um incentivo para o futebol evoluir, tentando ir buscar essas camadas mais jovens ligadas aos eSports e tornar o jogo mais apelativo. A introdução de novas regras e de tecnologias mostraram que, não estragando o futebol, deve-se sempre evoluir um pouco. Acho que os eSports são mais uma complementaridade, no fundo. Na Liga Portugal, temos a certeza de que os eSports vão crescer e que o futebol vai acompanhar esse crescimento através dos eSports.

 

STAR – Quais as perspetivas internas da Liga a curto e médio prazo em relação ao eSports em Portugal?

D.D. – A médio prazo queremos crescer ainda mais a competição que temos vindo a desenvolver e ter também um pouco de competições internacionais com a Liga, nomeadamente ter o vencedor da eLiga Portugal a participar em competições internacionais. Estamos a pensar muito na convergência que já falámos, nomeadamente na execução da sua nova Sede, que terá um espaço dedicado aos eSports e trará potencialidades no futuro. Temos já um estudo feito acerca do que queremos, embora o projeto ainda esteja apenas em papel. Mas queremos fazer uma aposta grande nos eSports, apostando muito nos jovens também, porque é por aí que julgamos ser o caminho.

O futebol como o conhecemos ganhou uma dimensão virtual muito antes de a pandemia a forçar. Nos últimos anos, a indústria do eSports cresceu de forma vertiginosa e hoje já valerá mais de mil milhões de dólares. Em Portugal, a consolidação tem sido igualmente positiva e, para isso, muito contribuiu Diogo David. Desde 2017, exerce o cargo de eSports Manager da Liga Portugal, já depois de ter estado no FC Porto, com outras funções. Ao todo soma já uma década de futebol, em várias vertentes. A STAR convidou então Diogo David para “trocar umas bolas” sobre o fenómeno do eSports, em busca de respostas sobre o presente e o futuro da indústria em Portugal.


STAR – Comecemos com uma breve contextualização. Para quem não está tão familiarizado, que fenómeno é este do eSports?

DIOGO DAVID – Faz-se sempre alguma confusão entre eSports e Gaming. O Gaming é quando se joga qualquer videojogo, já o eSports é quando alguém compete em videojogos. É sempre a primeira confusão que cria nas pessoas. Quando pegamos no telemóvel e jogamos Candy Crush ou jogamos FIFA em casa, isso é Gaming. Quando jogamos contra alguém em competição, isso já são eSports. É competição ligada a videojogos, uma parte que compõe a indústria do Gaming. Fazendo uma analogia, jogar futebol com amigos é Gaming, jogar em competição com amigos é eSports.

STAR – A evolução tecnológica acelerou a expansão da indústria. Quando e como surgiu a necessidade de apostar no eSports?

D.D. – A Liga Portugal começou por apostar no eSports há cerca de quatro anos e a nossa postura sempre foi a de tentar chegar às camadas mais jovens, que são cada vez mais incapazes de conseguir acompanhar um jogo de futebol durante 90 minutos ou de estar muito tempo sem ir ao telemóvel. A estes, se calhar interessa mais ver um jogo de futebol com o telemóvel na mão e ver o golo, ou estar no estádio e acompanhar o jogo no telemóvel em simultâneo. É diferente do que acontecia antes, em que iam ao estádio ver o jogo com os pais e ficavam ali. Verificámos que uma boa forma de chegar a esses jovens era através do eSports, porque dessa forma jogavam videojogos ligados a futebol e se calhar reconheceriam mais facilmente os jogadores através desses jogos do que propriamente indo aos estádios e reconhecer um ou outro jogador. Tentámos juntar então o futebol real e da nossa Liga com o eSports, criando uma competição, de forma a envolver os nossos clubes e envolvê-los com as camadas mais jovens. Queremos que os mais jovens reconheçam jogadores como representantes do clube do seu coração. Ao jogarem, fazem esse reconhecimento. Tentámos fazer esta junção entre o real e os videojogos, neste caso o FIFA.

 

STAR – Pelo que pudemos ver, o foco nesta área implicou também uma decisão de mudança na sua vida académica e profissional.

D.D. – A minha vida profissional é quase um “case study”. Comecei na área financeira, dei o passo para a área do marketing e dos patrocínios, ligada ao futebol, o que foi bom, porque o já estar na área facilitou-me depois esta mudança. Passei então do fato e gravata, para as sapatilhas e camisa. Cheguei a uma área totalmente diferente como a do eSports. Há 15 anos, nunca pensei que estaria hoje a falar e a organizar competições de eSports. Deram-me um bebé para a mão e foi crescendo, ao ponto de estar 100% focado nesta área. Agora talvez até veja mais Twitch do que futebol, para ir buscar mais ideias. Fiz também um curso online sobre eSports no Cruyff Institute, para procurar saber coisas que não sabia. Portanto, foi sempre uma caminhada, seguindo por onde podia, sem nunca ter um caminho definido. Devemos gostar sempre do que fazemos e dar o máximo. Isto é um trabalho de equipa e quando vejo que o nosso trabalho é reconhecido pelos atletas e pelos clubes, é muito bom. A própria comunicação social também já vai tendo secções dedicadas ao eSports. Estamos a aprender também e temos de ter o cuidado de chegar a todo o lado, com base num trabalho de comunicação.

 

STAR – Quais os desafios com que se deparou e quais aqueles que vão subsistindo?

D.D. – O grande desafio, tanto a nível nacional, como internacional, é sem dúvida a questão da legislação e o não existir uma conduta para as organizações se guiarem. Cada organização que desenvolve torneios destas modalidades tem a sua própria regulamentação e não há normas que todas tenham de cumprir. Temos o nosso regulamento, a FPF tem outra. No nosso caso, que temos apenas o FIFA, as únicas diretrizes que temos de seguir é do “publisher” do jogo, a EA (Electronic Arts). É uma guerra enorme entre associações e federações que foram surgindo, porque não há nada padronizado. Na Liga Portugal estamos fora disso, porque queremos fazer as competições e não fazer o papel das federações. O Governo já começa a envolver-se e é importante, porque a maioria das pessoas que joga neste tipo de competições é muito nova. Houve já audiências parlamentares, na tentativa de dar o estatuto de utilidade pública a uma destas federações, mas ainda nada andou para a frente. A título de exemplo, na China, ser jogador de eSports já é reconhecido como uma profissão pelo Governo e tem até um CAE (Código Atividade Económica). Aqui, estamos a tentar tornar o eSports o mais profissional possível e temos vindo a realizar um trabalho muito positivo nesse sentido.

 

STAR – Tem ideia de quantos profissionais de eSports temos em Portugal e se já é possível fazer vida exclusivamente disso?

D.D. – Em termos de profissionais, ainda não há muitos. Que se ocupem apenas e só da prática de FIFA e com ordenados bastante bons devem ser no máximo dez. Praticantes de FIFA devem ser cerca de 150 mil. A faixa etária é muito fácil de identificar. Aqui limitamos a entrada a participantes maiores de 18 anos. Alargámos a idades inferiores antes, mas os jovens necessitavam de ir com os pais e ter a presença deles, então limitamos por uma questão de operacionalização dos torneios. A faixa etária dominante é 18-35 anos, com quase 70% e sobretudo homens. Vejo com agrado que há já mulheres a participar em competições de FIFA. No Dia Internacional da Mulher vi Sp. Braga, Gil Vicente e Tondela a juntarem-se numa ação que envolveu jogadoras de FIFA.

 

STAR – Apesar de recente, é uma indústria em progressão. Salientou recentemente que os clubes portugueses recrutaram jogadores de alto nível. Já há presença em torneios FIFA. Falta muito para sermos referência também nesta vertente?

D.D. – Acho que não. Já costumamos ter jogadores no topo das grandes competições internacionais. Há cerca de dois anos tivemos dois jogadores no top-8 da EA, o “Tuga810” e o “RastaArtur”, estão habituados a competir internacionalmente. Tivemos o “JOliveira10” que já ganhou uma competição internacional. O FIFA em Portugal está bem representado e é bom porque, no caso da eLiga, temos de facto os melhores jogadores nacionais a competir e alguns jogadores já fazem bons resultados lá fora, qualificando-se para fases finais em Europeus. Estamos a evoluir bem. É certo que é mais fácil para os jogadores profissionais, mas já sentimos essa dificuldade de organizar uma competição que queremos que seja o mais profissional possível, quando na realidade os jogadores não o são, continuam com limitações em termos de disponibilidade. É um trabalho que ainda teremos de fazer. Mas já somos uma referência no mundo do FIFA lá fora e temos jogadores a baterem-se muito bem.

 

STAR – Como surgiu a ideia de criar competições como a eLiga e similares?

D.D. – Começámos a desenvolver a competição, primeiro para captar a atenção dos mais jovens. Segundo, porque constatámos que as ligas europeias já tinham também as suas competições. Há algumas já consolidadas, por exemplo na Alemanha, Países Baixos, Espanha. Não quisemos ficar atrás, criámos a nossa competição e tem crescido de ano para ano. Começámos por uma competição de dois dias, num cinema. No ano passado já durou uma semana, mas foi online, devido à pandemia. Este ano demos um passo gigante, com uma competição que dura uma época inteira, dividida em duas temporadas e com um prémio de 50 mil euros, ao invés dos habituais 5 mil. Aqui se vê o quanto a Liga Portugal está a investir no eSports neste momento. Isso aconteceu porque fizemos um trabalho de “benchmarking”, para ver o que se fazia lá fora. Estamos a construir o nosso caminho, o nosso espaço, a nossa competição. Para o ano vai ser ainda melhor. Esperamos já ter os 18 clubes da Liga NOS, para depois fazer quase uma competição paralela à real, durante uma época inteira, e criar um ecossistema todo de eSports dentro da própria Liga. A questão, para já, é que as competições da EA se focam mais nos jogadores e não tanto nos clubes. Temos uma Champions League que foca um jogador individual, não tanto o clube. Já o eClub World Cup da FIFA foca mais nos clubes. É necessário haver uma competição europeia de clubes, à semelhança da Champions League. Já quase todas as maiores ligas europeias têm eSports e os clubes têm uma máquina por detrás que pode alavancar tanto a notoriedade de jogadores, como a obtenção de receitas, portanto, seria mais interessante para nós. Interessa-nos as Sociedades Desportivas e não as equipas de Gaming, embora saibamos a sua importância. A Liga Portugal é constituída pelas Sociedades Desportivas, então é esse o nosso foco e é isso que temos de incentivar.

 

STAR – Como tem sido a reação das marcas ao evidente crescimento do setor e de que forma a Liga Portugal tem sido capaz de captar investimento?

D.D. – Desde a primeira hora, tivemos uma ajuda muito importante da Allianz. Até hoje, sempre foi uma marca que nos apoiou bastante e temos sempre uma competição patrocinada pela Allianz. Depois, temos também uma parceria muito importante com a PlayStation, que é uma marca de referência e que nos ajuda em material e em tudo mais. Fazer uma competição de eSports envolve todo um trabalho prévio, de logística, portanto há sempre oportunidade de ir buscar essas marcas para trabalharem connosco. Tivemos agora o apoio de marcas como a Uber Eats e a PCComponentes, que só mostra que o trabalho que desenvolvemos foi do agrado das marcas. Os números foram bons e tivemos o cuidado de ter sempre conversas prévias com os clubes e as marcas. Ainda não estavam totalmente seguras acerca da indústria do eSports, mas o que verificamos é que as marcas que entram estão satisfeitas, porque conseguem chegar ao nicho que, de forma mais tradicional, não conseguiriam. O investimento em Portugal e no FIFA ainda não é muito grande, mas lá fora há competições com prémios absurdos, na ordem dos milhões de euros. Depois existem casos como o da Louis Vuitton e a Fortnite, em que os jogadores estão vestidos pela marca. O próprio Sporting CP já se associou a este videojogo também e tem os seus equipamentos no jogo. Marcas automóveis que se associam aos videojogos de F1. Há também muitas empresas de “betting” a entrar, a patrocinar tanto equipas como jogadores, o que por um lado é bom, porque dinamiza a indústria, mas é preciso alguma reserva, porque a maioria dos praticantes é muito jovem e é preciso bom-senso. Mas nota-se que as marcas investem muito, na tentativa de captar nichos grandes.

 

STAR – São já vários os futebolistas profissionais a dar cartas também no eSports. Existe algum tipo de estratégia de convergência entre as duas indústrias?

D.D. – Acredito que a envolvência deles começou por simpatia, mas à medida que se foi tornando um negócio, também não quiseram ficar de fora. E a verdade é que os jovens gostam também de estar associados a um grande jogador no FIFA. Traz-lhes reconhecimento, o que também é bom. O “Toto” Salvio, por exemplo, montou uma empresa de Gaming aqui em Portugal. Veem que a indústria está a crescer e, em vez de fazerem investimentos noutras áreas, investem agora nos eSports. A convergência deles é por aí. Na Liga Portugal, a nossa convergência é sempre no sentido de alavancar o nosso produto que é o futebol nos eSports. Nunca foi numa ótica de negócio, tanto que, até agora, nunca conseguimos rentabilizar o negócio. É antes uma espécie de estratégia de marketing associada. A nossa ideia é alavancar o produto futebol através do eSports e chegar onde não estávamos a conseguir, nas camadas mais jovens. Queremos essa convergência e os números mostram que temos cada vez mais pessoas a seguir as nossas competições, tanto nas redes sociais, como nas transmissões na Twitch ou na Sport TV.

 

STAR – Acredita que esta indústria poderá ser uma ameaça à convencional, a longo prazo, ou apenas complementar?

D.D. – Acho que poderá ser uma ameaça, mas, ao mesmo tempo, um incentivo. O futebol deve saber tirar partido deste crescimento da indústria. Não é uma ameaça em si, porque acho que o futebol nunca deixará de ser o desporto-rei. Tenho um filho pequeno, com um ano, e já anda sempre agarrado a uma bola. O futebol vai continuar a ser um desporto presente na nossa cultura. Acho é que o crescimento do Gaming e dos eSports poderá ser um incentivo para o futebol evoluir, tentando ir buscar essas camadas mais jovens ligadas aos eSports e tornar o jogo mais apelativo. A introdução de novas regras e de tecnologias mostraram que, não estragando o futebol, deve-se sempre evoluir um pouco. Acho que os eSports são mais uma complementaridade, no fundo. Na Liga Portugal, temos a certeza de que os eSports vão crescer e que o futebol vai acompanhar esse crescimento através dos eSports.

 

STAR – Quais as perspetivas internas da Liga a curto e médio prazo em relação ao eSports em Portugal?

D.D. – A médio prazo queremos crescer ainda mais a competição que temos vindo a desenvolver e ter também um pouco de competições internacionais com a Liga, nomeadamente ter o vencedor da eLiga Portugal a participar em competições internacionais. Estamos a pensar muito na convergência que já falámos, nomeadamente na execução da sua nova Sede, que terá um espaço dedicado aos eSports e trará potencialidades no futuro. Temos já um estudo feito acerca do que queremos, embora o projeto ainda esteja apenas em papel. Mas queremos fazer uma aposta grande nos eSports, apostando muito nos jovens também, porque é por aí que julgamos ser o caminho.