Paulo Salgado:

"A capacidade que o atleta tem para comunicar pode influenciar o seu rendimento"

Junho 2020 | Por: STAR – Improve your talent

Longe vão os tempos em que os jogadores comunicavam apenas com os pés e somente em campo. O futebol é hoje um fenómeno de massas e os seus intervenientes, verdadeiros influenciadores. Não é de estranhar, portanto, o gosto de Paulo Salgado por aquilo que o futebol comunica. Em conversa com a STAR, o professor e especialista em Marketing e Comunicação partilhou opiniões sobre a comunicação no contexto do futebol português e também à escala global.

STAR – Paulo, conte-nos um pouco de si e do que faz. É especialista numa área fundamental para os profissionais do futebol de hoje, a Comunicação. Explique-nos em que vertentes opera?

Paulo Salgado – A comunicação é uma parte importante da minha vida e divido a minha atividade em três áreas: ensino universitário, consultoria em comunicação e branding e formação, com foco no desenvolvimento de competências de comunicação interpessoal, public speaking e media training. Sou professor universitário há quase 15 anos, na área de comunicação estratégica, relações públicas, branding e marketing. As áreas que prefiro são claramente a Gestão de Marcas, a Comunicação Estratégica e Gestão de Reputação, áreas de atuação diretamente ligadas ao tema da minha tese de doutoramento, que espero concluir muito em breve. Apesar de os projetos de consultoria e parcerias com agências me levarem a trabalhar em projetos nos mais variados campos, tenho vindo a dar cada vez mais formação na área do Desporto e também no Futebol, nomeadamente na Pós-Graduação de Comunicação da Liga Portugal. O trabalho no Desporto diria até que podia ser mais frequente do que é, mas, no futebol, acaba por ser um pouco restrito e fechado. Tive uma experiência de mais de 3 anos de trabalho no FC Porto, em períodos diferentes, que envolveram experiências no Departamento de Comunicação e no Departamento de Relações Externas. Mais tarde, trabalhei diretamente com o Departamento de Futebol e também no lançamento da marca ‘Dragon Force’, na qual fui responsável pela área de Comunicação e Branding, tendo tido a oportunidade de preparar o lançamento da marca. Trabalhar e desenvolver investigação na área do futebol é algo que me atrai bastante, pois é emocionalmente apelativo. Tanto do ponto de vista académico, como do ponto de vista empresarial e estratégico, penso que este tipo de investigação devia até ser mais valorizado, como é noutros países, já que o Desporto (e as organizações desportivas) acaba por ser também um grande exemplo daquilo que são as boas práticas que se podem implementar na gestão.

STAR – Como avalia o estado do futebol português em matéria de comunicação e de imagem para o exterior?

PS – Para o exterior, talvez fruto do trabalho feito pela FPF e por alguns dos intervenientes dos grandes representantes do futebol português (jogadores, treinadores e outros dirigentes), acredito que a imagem possa até ser positiva. Temos, sem dúvida, profissionais de excelência Podemos juntar a isto alguns dos bons resultados das equipas portuguesas, em especial da Seleção Nacional mais recentemente. Estamos a falar de uma das únicas indústrias onde estamos na linha da frente a nível mundial, naquilo que é o desempenho dos profissionais, nos valores conseguidos nas transferências de jogadores e na formação de atletas. Por outro lado, há que questionar a competitividade da nossa Liga, os resultados menos satisfatórios dos nossos clubes e a renitência em avançar com a centralização dos direitos de transmissão dos jogos. A projeção internacional dos nossos clubes e competições precisa de ser feita de outra forma.

STAR – E a nível interno? Qual a sua opinião?

PS – Para mim há claramente um problema na gestão da comunicação dos nossos clubes, que não é de agora e vem sendo agravado. É uma comunicação quase de guerrilha entre os principais clubes nacionais. Há sempre uma guerra aberta na opinião pública, talvez por estes clubes acreditarem que esse tipo de pressão no espaço público acaba por influenciar aquilo que são os resultados no campo. Temos dirigentes nos principais clubes nacionais que provavelmente não estão bem preparados para aquilo que é a comunicação atualmente. Esta tem de ser ubíqua, constante, permanente, contínua e competente. Nos clubes de pequena e média dimensão há problemas claros de comunicação, nomeadamente em termos daquilo que é o posicionamento e eixo de diferenciação dos clubes. Não há uma comunicação de marca propriamente dita em muitos desses clubes, o que leva a uma maior dificuldade de o potencial adepto se identificar mais com o clube A ou com o clube B, se colocarmos de parte o local em que reside. Se há menor identificação, menor será a proximidade e o envolvimento. Por outro lado, também há o problema da exploração, ou aproveitamento, que a comunicação social faz do produto futebol: dando menos atenção aos aspetos desportivos, mas recheando os seus painéis diários para se falar dos mais variados aspetos que não estão centrados naquilo que é o futebol no terreno de jogo e na sua espetacularidade. Faz parte da cultura do português, mas se calhar é fruto de termos uma cultura de clube, mais do que uma cultura de desporto. Podia haver uma comunicação melhor. Os clubes de futebol têm de perceber que têm um produto/serviço que a todos pertence e que deve ser preservado e potenciado, pois só assim é possível tirar outros dividendos da exploração desse mesmo conteúdo futebolístico, não só para o mercado nacional, como para os mercados internacionais. Agora, se estivermos sempre a questionar a legitimidade, a autenticidade, a legalidade e a colocar sempre em causa aquilo que é o nosso produto, estamos a dar condições para a desvalorização do mesmo. Ninguém ganha com isso. Está estudado que uma reputação negativa não gera vantagem competitiva, nem valor, nem desejabilidade, nem a capacidade de praticar preços premium. O capital de marca não é positivo. Além disso, há estilo comunicação dirigida a um determinado tipo de adeptos, fervorosos, mas há uma massa adepta de maior dimensão que não está a ser envolvida da forma como deveria.

STAR – Falamos de pessoas que, desde cedo, são obrigadas a conviver com a pressão da alta competição e com o mediatismo. Contratam-se empresários, preparadores físicos, nutricionistas e afins. Não deveria a comunicação equiparar-se a tais vertentes?

PS – É importante perceber que comunicar é que nos permite organizar. O ato de comunicar torna-nos humanos e isso é que nos permite estabelecer uma ligação com os outros. Assim sendo, independentemente de estarmos a falar de jogadores, treinadores, de staff médico, de dirigentes, a comunicação vai fazer parte do dia-a-dia das organizações desportivas e dos clubes de futebol e a forma como comunicamos vai ser um grande representante daquilo que é a cultura da organização. No futebol, podemos chamar-lhe a mística, ou até, em alguns casos, a “estrutura”. Todo o processo de comunicação vai ser relevante na forma como se comunicam os valores internamente, na forma como nós criamos sentido e uma identidade e na forma como projetamos essa identidade para o exterior. Falo de como criamos a imagem do nosso clube e como este se implementa nos diferentes públicos com os quais o clube tem de lidar (comunicação social, patrocinadores, etc). Se todas as pessoas na organização, ou se grande parte dos jogadores ou treinadores têm voz ativa no espaço mediático, tudo aquilo que eles têm para dizer, toda a forma como eles vão dizer, vai ter interferência direta na forma como vamos ligar-nos a essa mensagem e, por sua vez, a esse mesmo clube. Portanto, quanto mais conhecimento tivermos de comunicação, maior será a capacidade de perceber o que nos estão a dizer e se estamos a apresentar a nossa mensagem da forma certa. E se uma marca (isto para o clube é relevante) é criada estrategicamente para representar o clube no seu todo para o exterior, então temos todo o interesse em que a imagem pretendida seja mais próxima da imagem percebida. E como é que isto acontece? Através da comunicação. Agora, se não dotamos as pessoas das competências necessárias para comunicar bem, para se expressar bem e para tirar valor daquilo que é a comunicação, então podemos assumir que não estamos a potencializar a comunicação no sentido de trazer mais benefícios para os clubes, neste caso.

STAR – A valência da comunicação no futebol deve ser incutida desde muito cedo, ou deve ser guardada para idades mais avançadas?
PS – Não tenho certeza se podemos ou devemos dar formação às crianças a partir de uma certa idade. Aquilo que eu sei é que, quanto mais cedo for feito esse trabalho, melhor. Para um potencial atleta, se o trabalho não for bem feito em casa, provavelmente quando chegar ao clube irá ter tendência a replicar o mesmo estilo de comunicação, o mesmo tipo de atitudes que vai ter em casa, sejam elas boas ou más. Não sou psicólogo, nem especialista em educação de infância, mas aquilo que me parece é o seguinte: é muito importante dotar os atletas da capacidade de desenvolver um sentido critico sobre a comunicação e perceber como a comunicação se estabelece, o que ela significa e, muitas vezes, o que está a ser dito. Não devemos ter um treinador a falar para dois jovens de 14 anos e ambos perceberem a mensagem de maneira totalmente distinta, mas isto vai acontecer provavelmente. Isto só vai resultar se existir um trabalho feito com estes jovens, claro, mas um trabalho em simultâneo que é feito também com profissionais de futebol ou dirigentes, de forma a garantir que todo o processo de comunicação é bem desenvolvido na direção que o clube quer. Para isso, a comunicação deve ser o mais clara possível para todas as partes. Assim, se a comunicação é mais eficiente e eficaz (porque a mensagem é compreendida por todas as partes), podemos assumir que isso pode ter impacto na forma como um atleta vai render dentro do campo, na forma como ele vai lidar com a pressão, na forma como ele vai perceber e interpretar aquilo que a comunicação social está a dizer. Isto interfere também na forma como ele vai comunicar e fazer uso das diferentes redes sociais, procurando tirar o máximo partido dessas plataformas. O atleta, quer queira quer não, é detentor de uma marca e deve geri-la, sabendo administrar a sua presença no meio digital, porque a pegada mantém-se e, quanto mais conhecimento e sentido critico o atleta e o profissional de futebol tiverem sobre a comunicação, mais consciente será o uso que vai fazer das ferramentas de comunicação que tem ao seu dispor.

STAR – Num mundo como é o do futebol, onde a exposição mediática é tão acentuada, pensa que o valor de um jogador pode até ser influenciado por uma maior ou menor capacidade comunicativa?

PS – Pode. Explico em três pontos. Em primeiro lugar, a capacidade que o atleta vai ter para comunicar e para perceber a comunicação (temos estes dois níveis), pode influenciar o próprio rendimento do jogador, na forma como ele lida com a pressão, como ele percebe as notícias e exposição mediática e depois na forma como ele vai interagir com todo o grupo de trabalho, com a restante equipa e até mesmo com os adeptos. Em segundo lugar, a comunicação do jogador para o exterior vai ter influência direta no próprio perfil que vai ser feito sobre ele. Por isso, é importante que este tenha consciência de tudo o que faz e como comunica. Deve ter consciência ativa da forma como se expressa e da importância disso para o seu presente e futuro. Os profissionais que fazem prospeção vão olhar para os comportamentos dentro e fora do campo e para todas as suas atividades. E basta perceber que uma mensagem mal-entendida por parte de um jogador pode dar origem a um comportamento intempestivo ou descontentamento, fazendo com que o jogador possa ter uma reputação negativa junto do grupo de trabalho. Em terceiro lugar, no contexto da dimensão de seguidores que um atleta pode ter, ele pode e deve aprender a ser espontâneo e autêntico, percebendo como pode gerir a proximidade possível com os seus fãs e adeptos do clube que representam. É importante fazer uma boa gestão das suas redes, em conjunto com os respetivos clubes, mas também conseguirem ter uma voz suficientemente ativa, responsável, capaz de gerar bons exemplos, para que eles próprios possam tornar-se ícones culturais, com dimensão superior ao futebol. No basquetebol isso acontece com atletas como LeBron James, que consegue ter uma dimensão social fortíssima e uma voz ativa na sociedade, fruto da exposição mediática que tem e do tipo de iniciativas que desenvolve. Se nós tivermos atletas que comunicam bem e que sabem ter uma voz ativa na sociedade, todos vão agradecer, ao mesmo tempo que as marcas vão querer ligar-se a este tipo de pessoas. O Roger Federer é outro exemplo. Tem um comportamento irrepreensível fora dos courts de ténis, é considerado uma das personalidades com maior reputação mundial. Em simultâneo, mesmo estando no final da carreira, será um dos atletas que mais dinheiro ganha do ponto de vista extradesportivo.

STAR – Ser um bom comunicador exige um determinado nível de conhecimento e até de cultura geral. Esta ideia faz sentido?

PS – A cultura geral é um termo vago, o conhecimento não ocupa lugar. Não é o ter mais conhecimento que vai fazer de ti melhor comunicador. Senão, nas universidades, os professores que mais investigam, seriam inequivocamente aqueles que melhor comunicariam e isso não acontece, da mesma forma que também não acontecerá com os treinadores de futebol. Nem sempre os melhores treinadores, aqueles que têm mais conhecimento (e eu já vi isto acontecer), são aqueles que melhor se expressam junto do seu grupo de trabalho. Não são aqueles que conseguem tirar o máximo dos seus atletas, muitas vezes fruto da forma como comunicam. Eu diria que os conhecimentos sobre a comunicação, sobre si próprio, sobre a liderança e sobre os vários aspetos relacionados com a gestão de equipas, podem e devem contribuir para se comunicar melhor. No geral, é um extra que, aqui e ali, pode fazer diferença numa conversa, na forma de estar, mas não é condição para se comunicar bem.

STAR – Acha que o futebol teria mais a ganhar com uma melhor comunicação por parte dos intervenientes, ou corre o risco de se tornar demasiado “artificial” nesse sentido?

PS – A comunicação deve ser humana e autêntica, esse é o fator primordial. Depois, no futebol e no desporto, sou a favor de uma comunicação que inspire, que seja positiva e que respeite os valores do desporto. Uma melhor comunicação poderá permitir projetar os clubes, os atletas e os restantes intervenientes de uma maneira mais profissional e mais de acordo com aquilo que é a sua mais-valia. Nesse sentido, temos de ser espontâneos, autênticos, respeitar o próximo, respeitar os valores do desporto, ter uma comunicação positiva, criar condições para catapultar os diferentes profissionais e, simultaneamente, ter uma comunicação diferenciadora. Cada vez mais, em comunicação, aquilo que nós queremos é autenticidade. E quando trabalhamos com marcas precisamos de ser coerentes, consistentes e trabalhar a comunicação de forma contínua. Consistência, coerência e continuidade são fatores fundamentais para a boa comunicação. E é isto que vai fazer toda a diferença, porque, em comunicação, o sucesso é a soma das pequenas coisas que fazemos todos os dias.

STAR – Dizer o certo por palavras erradas vs. dizer o errado por palavras certas. No final do dia, ambas parecem ter o mesmo efeito. Dizer o que se quer ouvir é, de facto, tão determinante como o dizer a verdade?

PS – O bom trabalho em comunicação presume escolher exatamente a palavra certa para se dizer aquilo que se quer e não ser vago. Na gestão de uma organização, deve existir ponderação, no sentido em que há aspetos que são privados e se devem manter privados. O trabalho na gestão da comunicação, em termos estratégicos, será sempre gerir a comunicação, não mentindo, procurando dizer sempre a verdade, ser autêntico, mas sempre utilizando os canais e as palavras certas para os diferentes públicos.

Longe vão os tempos em que os jogadores comunicavam apenas com os pés e somente em campo. O futebol é hoje um fenómeno de massas e os seus intervenientes, verdadeiros influenciadores. Não é de estranhar, portanto, o gosto de Paulo Salgado por aquilo que o futebol comunica. Em conversa com a STAR, o professor e especialista em Marketing e Comunicação partilhou opiniões sobre a comunicação no contexto do futebol português e também à escala global.

STAR – Paulo, conte-nos um pouco de si e do que faz. É especialista numa área fundamental para os profissionais do futebol de hoje, a Comunicação. Explique-nos em que vertentes opera?

Paulo Salgado – A comunicação é uma parte importante da minha vida e divido a minha atividade em três áreas: ensino universitário, consultoria em comunicação e branding e formação, com foco no desenvolvimento de competências de comunicação interpessoal, public speaking e media training. Sou professor universitário há quase 15 anos, na área de comunicação estratégica, relações públicas, branding e marketing. As áreas que prefiro são claramente a Gestão de Marcas, a Comunicação Estratégica e Gestão de Reputação, áreas de atuação diretamente ligadas ao tema da minha tese de doutoramento, que espero concluir muito em breve. Apesar de os projetos de consultoria e parcerias com agências me levarem a trabalhar em projetos nos mais variados campos, tenho vindo a dar cada vez mais formação na área do Desporto e também no Futebol, nomeadamente na Pós-Graduação de Comunicação da Liga Portugal. O trabalho no Desporto diria até que podia ser mais frequente do que é, mas, no futebol, acaba por ser um pouco restrito e fechado. Tive uma experiência de mais de 3 anos de trabalho no FC Porto, em períodos diferentes, que envolveram experiências no Departamento de Comunicação e no Departamento de Relações Externas. Mais tarde, trabalhei diretamente com o Departamento de Futebol e também no lançamento da marca ‘Dragon Force’, na qual fui responsável pela área de Comunicação e Branding, tendo tido a oportunidade de preparar o lançamento da marca. Trabalhar e desenvolver investigação na área do futebol é algo que me atrai bastante, pois é emocionalmente apelativo. Tanto do ponto de vista académico, como do ponto de vista empresarial e estratégico, penso que este tipo de investigação devia até ser mais valorizado, como é noutros países, já que o Desporto (e as organizações desportivas) acaba por ser também um grande exemplo daquilo que são as boas práticas que se podem implementar na gestão.

STAR – Como avalia o estado do futebol português em matéria de comunicação e de imagem para o exterior?

PS – Para o exterior, talvez fruto do trabalho feito pela FPF e por alguns dos intervenientes dos grandes representantes do futebol português (jogadores, treinadores e outros dirigentes), acredito que a imagem possa até ser positiva. Temos, sem dúvida, profissionais de excelência Podemos juntar a isto alguns dos bons resultados das equipas portuguesas, em especial da Seleção Nacional mais recentemente. Estamos a falar de uma das únicas indústrias onde estamos na linha da frente a nível mundial, naquilo que é o desempenho dos profissionais, nos valores conseguidos nas transferências de jogadores e na formação de atletas. Por outro lado, há que questionar a competitividade da nossa Liga, os resultados menos satisfatórios dos nossos clubes e a renitência em avançar com a centralização dos direitos de transmissão dos jogos. A projeção internacional dos nossos clubes e competições precisa de ser feita de outra forma.

STAR – E a nível interno? Qual a sua opinião?

PS – Para mim há claramente um problema na gestão da comunicação dos nossos clubes, que não é de agora e vem sendo agravado. É uma comunicação quase de guerrilha entre os principais clubes nacionais. Há sempre uma guerra aberta na opinião pública, talvez por estes clubes acreditarem que esse tipo de pressão no espaço público acaba por influenciar aquilo que são os resultados no campo. Temos dirigentes nos principais clubes nacionais que provavelmente não estão bem preparados para aquilo que é a comunicação atualmente. Esta tem de ser ubíqua, constante, permanente, contínua e competente. Nos clubes de pequena e média dimensão há problemas claros de comunicação, nomeadamente em termos daquilo que é o posicionamento e eixo de diferenciação dos clubes. Não há uma comunicação de marca propriamente dita em muitos desses clubes, o que leva a uma maior dificuldade de o potencial adepto se identificar mais com o clube A ou com o clube B, se colocarmos de parte o local em que reside. Se há menor identificação, menor será a proximidade e o envolvimento. Por outro lado, também há o problema da exploração, ou aproveitamento, que a comunicação social faz do produto futebol: dando menos atenção aos aspetos desportivos, mas recheando os seus painéis diários para se falar dos mais variados aspetos que não estão centrados naquilo que é o futebol no terreno de jogo e na sua espetacularidade. Faz parte da cultura do português, mas se calhar é fruto de termos uma cultura de clube, mais do que uma cultura de desporto. Podia haver uma comunicação melhor. Os clubes de futebol têm de perceber que têm um produto/serviço que a todos pertence e que deve ser preservado e potenciado, pois só assim é possível tirar outros dividendos da exploração desse mesmo conteúdo futebolístico, não só para o mercado nacional, como para os mercados internacionais. Agora, se estivermos sempre a questionar a legitimidade, a autenticidade, a legalidade e a colocar sempre em causa aquilo que é o nosso produto, estamos a dar condições para a desvalorização do mesmo. Ninguém ganha com isso. Está estudado que uma reputação negativa não gera vantagem competitiva, nem valor, nem desejabilidade, nem a capacidade de praticar preços premium. O capital de marca não é positivo. Além disso, há estilo comunicação dirigida a um determinado tipo de adeptos, fervorosos, mas há uma massa adepta de maior dimensão que não está a ser envolvida da forma como deveria.

STAR – Falamos de pessoas que, desde cedo, são obrigadas a conviver com a pressão da alta competição e com o mediatismo. Contratam-se empresários, preparadores físicos, nutricionistas e afins. Não deveria a comunicação equiparar-se a tais vertentes?

PS – É importante perceber que comunicar é que nos permite organizar. O ato de comunicar torna-nos humanos e isso é que nos permite estabelecer uma ligação com os outros. Assim sendo, independentemente de estarmos a falar de jogadores, treinadores, de staff médico, de dirigentes, a comunicação vai fazer parte do dia-a-dia das organizações desportivas e dos clubes de futebol e a forma como comunicamos vai ser um grande representante daquilo que é a cultura da organização. No futebol, podemos chamar-lhe a mística, ou até, em alguns casos, a “estrutura”. Todo o processo de comunicação vai ser relevante na forma como se comunicam os valores internamente, na forma como nós criamos sentido e uma identidade e na forma como projetamos essa identidade para o exterior. Falo de como criamos a imagem do nosso clube e como este se implementa nos diferentes públicos com os quais o clube tem de lidar (comunicação social, patrocinadores, etc). Se todas as pessoas na organização, ou se grande parte dos jogadores ou treinadores têm voz ativa no espaço mediático, tudo aquilo que eles têm para dizer, toda a forma como eles vão dizer, vai ter interferência direta na forma como vamos ligar-nos a essa mensagem e, por sua vez, a esse mesmo clube. Portanto, quanto mais conhecimento tivermos de comunicação, maior será a capacidade de perceber o que nos estão a dizer e se estamos a apresentar a nossa mensagem da forma certa. E se uma marca (isto para o clube é relevante) é criada estrategicamente para representar o clube no seu todo para o exterior, então temos todo o interesse em que a imagem pretendida seja mais próxima da imagem percebida. E como é que isto acontece? Através da comunicação. Agora, se não dotamos as pessoas das competências necessárias para comunicar bem, para se expressar bem e para tirar valor daquilo que é a comunicação, então podemos assumir que não estamos a potencializar a comunicação no sentido de trazer mais benefícios para os clubes, neste caso.

STAR – A valência da comunicação no futebol deve ser incutida desde muito cedo, ou deve ser guardada para idades mais avançadas?

PS – Não tenho certeza se podemos ou devemos dar formação às crianças a partir de uma certa idade. Aquilo que eu sei é que, quanto mais cedo for feito esse trabalho, melhor. Para um potencial atleta, se o trabalho não for bem feito em casa, provavelmente quando chegar ao clube irá ter tendência a replicar o mesmo estilo de comunicação, o mesmo tipo de atitudes que vai ter em casa, sejam elas boas ou más. Não sou psicólogo, nem especialista em educação de infância, mas aquilo que me parece é o seguinte: é muito importante dotar os atletas da capacidade de desenvolver um sentido critico sobre a comunicação e perceber como a comunicação se estabelece, o que ela significa e, muitas vezes, o que está a ser dito. Não devemos ter um treinador a falar para dois jovens de 14 anos e ambos perceberem a mensagem de maneira totalmente distinta, mas isto vai acontecer provavelmente. Isto só vai resultar se existir um trabalho feito com estes jovens, claro, mas um trabalho em simultâneo que é feito também com profissionais de futebol ou dirigentes, de forma a garantir que todo o processo de comunicação é bem desenvolvido na direção que o clube quer. Para isso, a comunicação deve ser o mais clara possível para todas as partes. Assim, se a comunicação é mais eficiente e eficaz (porque a mensagem é compreendida por todas as partes), podemos assumir que isso pode ter impacto na forma como um atleta vai render dentro do campo, na forma como ele vai lidar com a pressão, na forma como ele vai perceber e interpretar aquilo que a comunicação social está a dizer. Isto interfere também na forma como ele vai comunicar e fazer uso das diferentes redes sociais, procurando tirar o máximo partido dessas plataformas. O atleta, quer queira quer não, é detentor de uma marca e deve geri-la, sabendo administrar a sua presença no meio digital, porque a pegada mantém-se e, quanto mais conhecimento e sentido critico o atleta e o profissional de futebol tiverem sobre a comunicação, mais consciente será o uso que vai fazer das ferramentas de comunicação que tem ao seu dispor.

STAR – Num mundo como é o do futebol, onde a exposição mediática é tão acentuada, pensa que o valor de um jogador pode até ser influenciado por uma maior ou menor capacidade comunicativa?

PS – Pode. Explico em três pontos. Em primeiro lugar, a capacidade que o atleta vai ter para comunicar e para perceber a comunicação (temos estes dois níveis), pode influenciar o próprio rendimento do jogador, na forma como ele lida com a pressão, como ele percebe as notícias e exposição mediática e depois na forma como ele vai interagir com todo o grupo de trabalho, com a restante equipa e até mesmo com os adeptos. Em segundo lugar, a comunicação do jogador para o exterior vai ter influência direta no próprio perfil que vai ser feito sobre ele. Por isso, é importante que este tenha consciência de tudo o que faz e como comunica. Deve ter consciência ativa da forma como se expressa e da importância disso para o seu presente e futuro. Os profissionais que fazem prospeção vão olhar para os comportamentos dentro e fora do campo e para todas as suas atividades. E basta perceber que uma mensagem mal-entendida por parte de um jogador pode dar origem a um comportamento intempestivo ou descontentamento, fazendo com que o jogador possa ter uma reputação negativa junto do grupo de trabalho. Em terceiro lugar, no contexto da dimensão de seguidores que um atleta pode ter, ele pode e deve aprender a ser espontâneo e autêntico, percebendo como pode gerir a proximidade possível com os seus fãs e adeptos do clube que representam. É importante fazer uma boa gestão das suas redes, em conjunto com os respetivos clubes, mas também conseguirem ter uma voz suficientemente ativa, responsável, capaz de gerar bons exemplos, para que eles próprios possam tornar-se ícones culturais, com dimensão superior ao futebol. No basquetebol isso acontece com atletas como LeBron James, que consegue ter uma dimensão social fortíssima e uma voz ativa na sociedade, fruto da exposição mediática que tem e do tipo de iniciativas que desenvolve. Se nós tivermos atletas que comunicam bem e que sabem ter uma voz ativa na sociedade, todos vão agradecer, ao mesmo tempo que as marcas vão querer ligar-se a este tipo de pessoas. O Roger Federer é outro exemplo. Tem um comportamento irrepreensível fora dos courts de ténis, é considerado uma das personalidades com maior reputação mundial. Em simultâneo, mesmo estando no final da carreira, será um dos atletas que mais dinheiro ganha do ponto de vista extradesportivo.

STAR – Ser um bom comunicador exige um determinado nível de conhecimento e até de cultura geral. Esta ideia faz sentido?

PS – A cultura geral é um termo vago, o conhecimento não ocupa lugar. Não é o ter mais conhecimento que vai fazer de ti melhor comunicador. Senão, nas universidades, os professores que mais investigam, seriam inequivocamente aqueles que melhor comunicariam e isso não acontece, da mesma forma que também não acontecerá com os treinadores de futebol. Nem sempre os melhores treinadores, aqueles que têm mais conhecimento (e eu já vi isto acontecer), são aqueles que melhor se expressam junto do seu grupo de trabalho. Não são aqueles que conseguem tirar o máximo dos seus atletas, muitas vezes fruto da forma como comunicam. Eu diria que os conhecimentos sobre a comunicação, sobre si próprio, sobre a liderança e sobre os vários aspetos relacionados com a gestão de equipas, podem e devem contribuir para se comunicar melhor. No geral, é um extra que, aqui e ali, pode fazer diferença numa conversa, na forma de estar, mas não é condição para se comunicar bem.

STAR – Acha que o futebol teria mais a ganhar com uma melhor comunicação por parte dos intervenientes, ou corre o risco de se tornar demasiado “artificial” nesse sentido?

PS – A comunicação deve ser humana e autêntica, esse é o fator primordial. Depois, no futebol e no desporto, sou a favor de uma comunicação que inspire, que seja positiva e que respeite os valores do desporto. Uma melhor comunicação poderá permitir projetar os clubes, os atletas e os restantes intervenientes de uma maneira mais profissional e mais de acordo com aquilo que é a sua mais-valia. Nesse sentido, temos de ser espontâneos, autênticos, respeitar o próximo, respeitar os valores do desporto, ter uma comunicação positiva, criar condições para catapultar os diferentes profissionais e, simultaneamente, ter uma comunicação diferenciadora. Cada vez mais, em comunicação, aquilo que nós queremos é autenticidade. E quando trabalhamos com marcas precisamos de ser coerentes, consistentes e trabalhar a comunicação de forma contínua. Consistência, coerência e continuidade são fatores fundamentais para a boa comunicação. E é isto que vai fazer toda a diferença, porque, em comunicação, o sucesso é a soma das pequenas coisas que fazemos todos os dias.

STAR – Dizer o certo por palavras erradas vs. dizer o errado por palavras certas. No final do dia, ambas parecem ter o mesmo efeito. Dizer o que se quer ouvir é, de facto, tão determinante como o dizer a verdade?

PS – O bom trabalho em comunicação presume escolher exatamente a palavra certa para se dizer aquilo que se quer e não ser vago. Na gestão de uma organização, deve existir ponderação, no sentido em que há aspetos que são privados e se devem manter privados. O trabalho na gestão da comunicação, em termos estratégicos, será sempre gerir a comunicação, não mentindo, procurando dizer sempre a verdade, ser autêntico, mas sempre utilizando os canais e as palavras certas para os diferentes públicos.