Setembro 2020 | Por: Nuno Aguiar-Branco & Tiago F. Silva
Em 2000, o mundo do jornalismo desportivo via nascer um projeto pioneiro na área, totalmente digital. O Maisfutebol foi crescendo e deixando a sua marca, ao ponto de se tornar uma das referências no jornalismo nacional. Sérgio Pereira foi um dos que acompanharam de perto o crescimento do jornal, praticamente desde os primórdios. Numa altura em que os media online se assumem já como a segunda fonte de retorno económico, em termos de audiência, para o futebol em Portugal, a STAR foi à procura de explicações. Uma conversa aberta com o atual diretor do Maisfutebol, na qual se debateu essa temática, mas também um pouco do presente e futuro da indústria.
STAR – Sérgio, conte-nos um pouco do início e da sua trajetória no jornalismo.
SÉRGIO PEREIRA – Licenciei-me em Ciências da Comunicação, na Universidade Fernando Pessoa, no Porto. Curiosamente estava todo orientado para publicidade, fiz estágio e tese em publicidade, mas foi um daqueles acasos da vida. Fartei-me de procurar na área e não apareceu nada. Na altura morava com colegas de casa e há um deles que me falou do Maisfutebol. Nasceu em 5 de junho de 2000, isto deve ter sido em julho ou agosto desse ano. Falou-me que era um jornal desportivo na internet, que já nem era preciso comprar jornais porque lá estava tudo. Tinha visto esse e o Desporto Digital. Um dia, estava a ir de férias para o Algarve, farto de enviar currículos e de não obter resposta, então decidi mandar para esse dois. Primeiro foi o Desporto Digital, mas depois para o Maisfutebol, com a internet de 2000, falhou e já não consegui enviar. Era tardíssimo, tinha de ir de férias no dia seguinte e pensei “que se lixe, mando quando voltar”. Só que quando voltei recebi um telefonema do José Manuel Freitas, a dizer que precisavam de um jornalista no Porto, para ir um mês à experiência, e assim foi, acabei por ficar. O Desporto Digital acabou pouco tempo depois, fui para o Diário de Notícias, onde fiquei mais 2 anos e, finalmente, fui para o Maisfutebol.
STAR – Numa indústria que cresceu tão rapidamente, talvez até forçosamente rápido, pensar em retrospetiva não obriga a recuar assim tanto. Quais são as diferenças mais vincadas entre o trabalho de um jornalista de há 15 anos e o de agora?
SP – Mudou tudo. As redes sociais, sobretudo. Há quinze anos não havia e vieram mudar completamente o jornalismo. Há até uma coisa que me causa imensa confusão. Existe hoje um lote de jornalistas que saem da universidade habituados a usar as redes sociais para a procura de informação. Eles até veem os jornais, mas veem-nos através das redes sociais. A notícia chega até eles dessa forma também. Isso, para mim, é grave. É óbvio que temos de estar atentos às redes sociais, até para apanhar as notícias. Por exemplo os clubes publicam lá tudo o que fazem, portanto, recebemos a informação mais cedo. Mas não podemos ficar por aí, é preciso haver as fontes de informação de há 15 anos, que é falar com as pessoas, ir aos sítios, o contacto, no fundo. Isso é algo que os jornalistas não estão tão habituados a explorar, baseia-se tudo nas redes sociais. E os leitores também, hoje fazem muita confusão entre o que é um jornal e uma página de internet ou de Facebook. O que mais me preocupa é a incapacidade de o leitor fazer a distinção entre o que é um órgão de informação oficial – um jornal, inscrito na ERC, que respeita uma série de princípios – e uma página de informação espetáculo ou fake news. Alguém da nossa família diz que o clube tal vai comprar um jogador, nós perguntamos onde é que viu isso e essa pessoa diz: “ah, vi no Facebook”. Mas pode ter sido um jornal a colocar ou uma página de especulação. As pessoas não conseguem fazer a distinção entre o que é a informação séria e a falsa nas redes socias. Para mim é grave e vai ter de mudar. Se calhar vai demorar alguns anos, mas mudará com a própria exigência do leitor em querer estar mais bem informado.
STAR – É consensual que a informação foi ficando mais cara, à medida que os clubes se foram fechando dentro de portas. Hoje há um acesso mais limitado à informação, ao quotidiano dos clubes e dos jogadores. Acha que o crescimento do “produto futebol português” e, por arrasto, o do jornalismo desportivo, passará pela reabertura?
SP – Acho muito difícil que haja uma reabertura. O que vemos aqui também se vê na Europa. Cada vez mais os clubes comunicam através dos canais internos. Houve, no entanto, uma janela de oportunidade. Quando os clubes começaram a fazer isso, os jornais não aceitaram, não pegaram nesses conteúdos por não acharem que eram conteúdos jornalísticos. A partir do momento em que isso aconteceu, a tal janela de oportunidade fechou-se e penso que agora é complicado fazer o caminho inverso. Não é impossível, bastava haver um entendimento entre os publishers. Aliás, uma entrevista de um jogador do Benfica à BTV ou do FC Porto ao Porto Canal não tem valor algum se não for publicada nos jornais ou televisões. Os clubes têm de ver a sua informação ser replicada por um órgão de comunicação para ganhar credibilidade. Enquanto estiver só na televisão do clube não tem credibilidade, nós é que legitimamos essa informação ao passar para o nosso público. Mas até os próprios jogadores já não estão habituados a dar entrevistas a jornalistas, basta ver a maneira descontraída como estão a dar entrevistas aos canais dos clubes, que é uma coisa impensável se fosse a um órgão externo. Porquê? Porque os clubes também foram criando uma cultura de medo na relação entre jogadores, treinadores e jornalistas. E o que me chateia é quando uma televisão de um clube tenta substituir um jornalista, tenta fazer uma entrevista supostamente séria e isenta, porque isso sabemos que nunca será.
STAR – Recentemente a EY divulgou o Anuário do Futebol Profissional, relativo à época de 2018/19. Neste consta que os media online são já a segunda maior fonte de retorno económico, em termos de audiência, para o futebol em Portugal. Sente que é um ponto de viragem nos hábitos de consumo? Que reações lhe mereceu?
SP – As pessoas já viraram a página no que toca aos hábitos de consumo. Importa dizer que os media online englobam não só os sites de jornais, mas também as redes sociais, porventura ainda o broadcasting digital, etc. Parece-me óbvio que os meios digitais são provavelmente o meio que traz mais retorno, quando pensamos na audiência que traz para o futebol. Acho que há muita gente que precisa de olhar para aquilo, motivo pelo qual até o partilhei nas minhas redes sociais. Há muitos em Portugal que ainda vivem no século XIX. Dou um exemplo. O plano de retoma da Liga tem a hierarquização dos meios de comunicação com direito a lugar no estádio. Se houver 15 jornalistas para 10 lugares, o ranking era primeiro os três jornais desportivos, depois as três rádios nacionais (TSF, Antena 1 e Renascença), depois três ou quatro televisões generalistas, depois as televisões desportivas (Sport TV e Eleven Sports), depois os jornais nacionais. Que sentido é que isto faz? Acham que faz sentido uma rádio ou jornal nacional fazer uma promoção ao futebol como a que faz o Maisfutebol ou o Zerozero, por exemplo? Isto não cabe na cabeça de ninguém. Mas já antes tinha acontecido. Aquando da Final Eight da Liga dos Campeões, só havia três lugares para imprensa portuguesa em todos os jogos, excetuando a final, onde havia mais. Posto isto, a Federação Portuguesa de Futebol atribuiu esses lugares aos três desportivos. Porquê? O Maisfutebol e a TVI24 até têm os direitos dos vídeos da Liga dos Campeões para o digital, podiam fazer uma melhor promoção ao futebol, fora o facto de termos feito o Live de todos os jogos dos oitavos de final e a maior parte dos jogos da primeira fase. Algum jornal desportivo faz essa promoção? Não. Mas há aquela ideia de que um jornal desportivo tem mais credibilidade por ser impresso. Lá está, ainda vivemos no século XIX.
STAR – Existirá algum menosprezo pelos media digitais, será isso?
SP – Desconhecimento apenas. O dirigente de futebol em Portugal ainda é aquele que acorda de manhã e lê as capas dos jornais, porque é apenas lá onde estão as notícias. Acham que tudo o que há de importante estará nas capas dos jornais nos quiosques. Isso demonstra que o futebol em Portugal continua a agir como agia em 2005. Por isso é que considero importantes os números de que falei (anuário), porque já estamos no século XXI.
STAR – O MF é um jornal 100% em suporte digital, desde sempre, com uma estratégia de monetização bem consolidada, ou pelo menos o suficiente para subsistir há 20 anos. Na sua ótica, será a tiragem física de um jornal, para as redações tradicionais, um caminhar para o precipício?
SP – Acredito que os jornais saberão, no dia em que assim for. O DN apercebeu-se disso e terminou com a tiragem diária. Percebe-se também que há jornais cada vez mais pequenos. Isso mostra que se estão a adaptar. Acho que haverá sempre lugar para a imprensa em papel, mas tem de se adaptar. O lugar da imprensa já não é dar notícias, o lugar dela é outro, é analisá-las, refletir sobre elas ou explicá-las melhor. Dar notícias já foi um comboio que passou para eles. O problema é que a publicidade no meio digital ainda não atingiu também um estado de maturidade que permita a esses jornais suportar a estrutura que têm, porque há dois players no mercado que adulteram completamente as regras, como é o caso de Facebook e Google. Enquanto estes levarem 80% da publicidade em Portugal, vai ser difícil os outros meios de comunicação social suportarem as estruturas grandes que têm. A publicidade digital ainda não consegue pagar isso.
STAR – A democratização da informação permitiu a qualquer um criar conteúdos. Esta nova realidade pode ser vista como positiva ou negativa para o jornalismo, nomeadamente para o digital, porventura o mais visado?
SP – Houve uma altura em que achei que era positiva, de há uns anos a esta parte acho que é negativa. Veio permitir que se difunda muita informação sem que esta seja validada, provocando a explosão de fake news. Elas nem sempre são propositadas, também as há por desconhecimento e essas espalham-se da mesma maneira. Tem pontos positivos igualmente. Por exemplo, se uma pessoa estiver próxima de um incêndio e conseguir dar eco disso nas redes sociais, é ótimo porque se calhar ela é a única que consegue fazê-lo. Mas tem o revés das fake news e acho que vai ser muito difícil de ultrapassar. Só poderá ser ultrapassado com a exigência do leitor em obter informação certificada por um órgão de comunicação, registado na ERC. Ainda assim, penso que atualmente é cada vez mais difícil encontrar rumores, os jornais e os jornalistas no geral estão mais sérios, sabem que a imagem que estão a criar hoje é aquela que estão a criar para o futuro. Quando for a tal altura de o leitor ser ele próprio mais exigente, o jornal que tenha criado e mantido uma imagem de credibilidade fará a diferença. Não tenho dúvidas sobre isso.
STAR – Enquanto diretor, terá com certeza uma visão mais “aérea” do jornalismo. Qual julga ser o maior desafio da área hoje?
SP – Talvez a canibalização que o Facebook faz aos jornais. Sou totalmente contra. Tem as notícias todas sem ter uma redação, sem pagar a um jornalista, sem pagar uma conta telefónica para fazer uma chamada. Nada! Tem as notícias todas sem gastar um cêntimo e ainda vai buscar milhões à custa do trabalho dos verdadeiros jornalistas. Como se resolve? Saindo do Facebook. E é possível? Não. É desta dicotomia que o Facebook se alimenta, bem como do facto de não haver um entendimento entre os vários publishers. Enquanto isso, vai dando uma migalha aqui e ali. Ofereceu uma migalha em Espanha, penso que 500 milhões de euros aos jornais. Fala-se que pode oferecer uma migalha em Portugal também. Migalha, comparativamente ao que ganha com os jornais, porque não ajuda nada, sobretudo quando pensamos no tráfego que estes perdem, sem poderem fazer nada por isso. Não há nada a fazer neste momento, tinha de ser um movimento coletivo, porque se todos saem menos um, esse que ficou continuará a dar os conteúdos ao Facebook e terá muito mais audiência ao não sair. O Facebook aumenta a audiência, sim, mas canibaliza os conteúdos. É justo? Acho que não, mas é difícil mudar.
STAR – E o maior desafio no futuro?
SP – Os jornais ainda não conseguem viver no ano de 2020. O jornalismo ainda se faz muito como se fazia para o papel. Os sites ainda o fazem muito como se fazia para os jornais antigamente. Acho que ainda não conseguimos descobrir como o jornalismo mudou, como fazer jornalismo hoje. O maior desafio é adaptar o jornalismo a tudo o que nos envolve agora, às redes sociais, à tecnologia, a tudo. Esta mudança toda vai ter de levar a uma mudança também no jornalismo.
STAR – Na sua visão conceptual e cultural do MF, perspetiva alguma inovação estratégica ou reposicionamento a longo prazo?
SP – Reposicionamento não. O Maisfutebol vai ser o que sempre foi. Mas há coisas que vamos fazer de forma diferente. Não posso revelar, porque tem de ser surpresa na altura (risos). Mas haverá coisas diferentes, tanto a nível de conteúdo, como na forma de mostrá-los. Ideias há sempre, é fácil ter ideias, mas o mais complicado é ter meios para concretizá-las, porque o nosso meio é muito pequeno em Portugal e estamos sempre a lutar contra a falta de receita, que nos estrangula. Se houvesse dinheiro, era fácil fazer a mudança necessária, só que em Portugal estamos sempre condicionados pelo estrangulamento financeiro e por um mercado curto. Há muitos sites para um mercado curto, daí muitos até já estarem a dar o salto para o mercado brasileiro.
STAR – O Sérgio tem já uma longa carreira como jornalista, fez a cobertura de diversos eventos de grande escala. Tem algum episódio caricato que possa partilhar?
SP – No Mundial 2018, na Rússia, facilitei um bocado, que até é algo que não costumo fazer. O meu hotel ficava a 30 quilómetros de Moscovo. Fui para o Estádio Luzhniki e, no final do jogo, pensei em chamar um Uber. Só que aquele estádio tem tipo quilómetro e meio de praça, sem trânsito sequer. Descobrir onde está o nosso Uber naquele estádio é impossível. Chamei três e não dei com nenhum. Entretanto começou a ficar um ambiente um pouco pesado, muitos russos a virem falar comigo na língua deles, a polícia a 20 metros de mim, mas não quis saber. A polícia na Rússia é um caso à parte. Desviei-me um pouco, para evitar aquele ambiente, mas o Uber continuava sem aparecer. Então apanhei um táxi, de um tipo que não era russo, dá-me ideia que seria do Iraque ou assim. Fez-me um preço caríssimo, mas era uma da manhã e o meu hotel ainda ficava longe, portanto aceitei. Só que ele tinha um telemóvel enorme, daqueles antigos, com teclas ainda. Meteu lá o mapa e perdeu-se. Eram duas da manhã e estávamos num caminho de terra batida no meio de uma floresta, com a lua a servir de luz e o tipo aos gritos na língua dele. Pensei logo, estou lixado, este tipo deve ter um taco na mala e vai deixar-me aqui no meio (risos). Eu tinha 2% de bateria no telemóvel e pensei em poupá-los, porque, se não, nunca mais davam por mim. Mas pensei “seja o que Deus quiser” e arrisquei colocar o mapa no meu. Foi um daqueles momentos em que parece que Deus olhou por mim porque aqueles 2% deram para chegar ao hotel. Mas tirando isso gostei imenso da Rússia. Os russos foram simpáticos, ainda que sejam um pouco malucos (risos). Não sei se sabiam, mas eles bebem perfume para se embebedarem mais rápido (risos).
STAR – A quem seria a sua entrevista de sonho?
SP – Talvez Maradona, certamente teria muitas coisas para contar. E talvez o Mourinho, mas ele já fala mais vezes.
STAR – No panorama do futebol português, qual foi o jogador que mais o impressionou ver jogar e por que razão lhe deixou essa marca?
SP – O jogador que mais me marcou foi o Pedro Barbosa. Até já escrevi um texto sobre isso. Era aquele jogador que, quando o via, dava-me vontade de pegar numa bola e ir jogar para a rua. Enchia-me mesmo as medidas, tinha muita classe. Não era tanto por ver futebol, era mesmo por aquele lado mais infantil do “eu quero ser e jogar assim”. Mas o meu ídolo de infância sempre foi o Futre. Sou da altura em que todos os miúdos queriam ser o Futre. Era Deus. Como agora existe o Ronaldo, para nós havia o Futre. Havia o comum dos mortais e o Futre lá em cima.
Em 2000, o mundo do jornalismo desportivo via nascer um projeto pioneiro na área, totalmente digital. O Maisfutebol foi crescendo e deixando a sua marca, ao ponto de se tornar uma das referências no jornalismo nacional. Sérgio Pereira foi um dos que acompanharam de perto o crescimento do jornal, praticamente desde os primórdios. Numa altura em que os media online se assumem já como a segunda fonte de retorno económico, em termos de audiência, para o futebol em Portugal, a STAR foi à procura de explicações. Uma conversa aberta com o atual diretor do Maisfutebol, na qual se debateu essa temática, mas também um pouco do presente e futuro da indústria.
STAR – Sérgio, conte-nos um pouco do início e da sua trajetória no jornalismo.
SÉRGIO PEREIRA – Licenciei-me em Ciências da Comunicação, na Universidade Fernando Pessoa, no Porto. Curiosamente estava todo orientado para publicidade, fiz estágio e tese em publicidade, mas foi um daqueles acasos da vida. Fartei-me de procurar na área e não apareceu nada. Na altura morava com colegas de casa e há um deles que me falou do Maisfutebol. Nasceu em 5 de junho de 2000, isto deve ter sido em julho ou agosto desse ano. Falou-me que era um jornal desportivo na internet, que já nem era preciso comprar jornais porque lá estava tudo. Tinha visto esse e o Desporto Digital. Um dia, estava a ir de férias para o Algarve, farto de enviar currículos e de não obter resposta, então decidi mandar para esse dois. Primeiro foi o Desporto Digital, mas depois para o Maisfutebol, com a internet de 2000, falhou e já não consegui enviar. Era tardíssimo, tinha de ir de férias no dia seguinte e pensei “que se lixe, mando quando voltar”. Só que quando voltei recebi um telefonema do José Manuel Freitas, a dizer que precisavam de um jornalista no Porto, para ir um mês à experiência, e assim foi, acabei por ficar. O Desporto Digital acabou pouco tempo depois, fui para o Diário de Notícias, onde fiquei mais 2 anos e, finalmente, fui para o Maisfutebol.
STAR – Numa indústria que cresceu tão rapidamente, talvez até forçosamente rápido, pensar em retrospetiva não obriga a recuar assim tanto. Quais são as diferenças mais vincadas entre o trabalho de um jornalista de há 15 anos e o de agora?
SP – Mudou tudo. As redes sociais, sobretudo. Há quinze anos não havia e vieram mudar completamente o jornalismo. Há até uma coisa que me causa imensa confusão. Existe hoje um lote de jornalistas que saem da universidade habituados a usar as redes sociais para a procura de informação. Eles até veem os jornais, mas veem-nos através das redes sociais. A notícia chega até eles dessa forma também. Isso, para mim, é grave. É óbvio que temos de estar atentos às redes sociais, até para apanhar as notícias. Por exemplo os clubes publicam lá tudo o que fazem, portanto, recebemos a informação mais cedo. Mas não podemos ficar por aí, é preciso haver as fontes de informação de há 15 anos, que é falar com as pessoas, ir aos sítios, o contacto, no fundo. Isso é algo que os jornalistas não estão tão habituados a explorar, baseia-se tudo nas redes sociais. E os leitores também, hoje fazem muita confusão entre o que é um jornal e uma página de internet ou de Facebook. O que mais me preocupa é a incapacidade de o leitor fazer a distinção entre o que é um órgão de informação oficial – um jornal, inscrito na ERC, que respeita uma série de princípios – e uma página de informação espetáculo ou fake news. Alguém da nossa família diz que o clube tal vai comprar um jogador, nós perguntamos onde é que viu isso e essa pessoa diz: “ah, vi no Facebook”. Mas pode ter sido um jornal a colocar ou uma página de especulação. As pessoas não conseguem fazer a distinção entre o que é a informação séria e a falsa nas redes socias. Para mim é grave e vai ter de mudar. Se calhar vai demorar alguns anos, mas mudará com a própria exigência do leitor em querer estar mais bem informado.
STAR – É consensual que a informação foi ficando mais cara, à medida que os clubes se foram fechando dentro de portas. Hoje há um acesso mais limitado à informação, ao quotidiano dos clubes e dos jogadores. Acha que o crescimento do “produto futebol português” e, por arrasto, o do jornalismo desportivo, passará pela reabertura?
SP – Acho muito difícil que haja uma reabertura. O que vemos aqui também se vê na Europa. Cada vez mais os clubes comunicam através dos canais internos. Houve, no entanto, uma janela de oportunidade. Quando os clubes começaram a fazer isso, os jornais não aceitaram, não pegaram nesses conteúdos por não acharem que eram conteúdos jornalísticos. A partir do momento em que isso aconteceu, a tal janela de oportunidade fechou-se e penso que agora é complicado fazer o caminho inverso. Não é impossível, bastava haver um entendimento entre os publishers. Aliás, uma entrevista de um jogador do Benfica à BTV ou do FC Porto ao Porto Canal não tem valor algum se não for publicada nos jornais ou televisões. Os clubes têm de ver a sua informação ser replicada por um órgão de comunicação para ganhar credibilidade. Enquanto estiver só na televisão do clube não tem credibilidade, nós é que legitimamos essa informação ao passar para o nosso público. Mas até os próprios jogadores já não estão habituados a dar entrevistas a jornalistas, basta ver a maneira descontraída como estão a dar entrevistas aos canais dos clubes, que é uma coisa impensável se fosse a um órgão externo. Porquê? Porque os clubes também foram criando uma cultura de medo na relação entre jogadores, treinadores e jornalistas. E o que me chateia é quando uma televisão de um clube tenta substituir um jornalista, tenta fazer uma entrevista supostamente séria e isenta, porque isso sabemos que nunca será.
STAR – Recentemente a EY divulgou o Anuário do Futebol Profissional, relativo à época de 2018/19. Neste consta que os media online são já a segunda maior fonte de retorno económico, em termos de audiência, para o futebol em Portugal. Sente que é um ponto de viragem nos hábitos de consumo? Que reações lhe mereceu?
SP – As pessoas já viraram a página no que toca aos hábitos de consumo. Importa dizer que os media online englobam não só os sites de jornais, mas também as redes sociais, porventura ainda o broadcasting digital, etc. Parece-me óbvio que os meios digitais são provavelmente o meio que traz mais retorno, quando pensamos na audiência que traz para o futebol. Acho que há muita gente que precisa de olhar para aquilo, motivo pelo qual até o partilhei nas minhas redes sociais. Há muitos em Portugal que ainda vivem no século XIX. Dou um exemplo. O plano de retoma da Liga tem a hierarquização dos meios de comunicação com direito a lugar no estádio. Se houver 15 jornalistas para 10 lugares, o ranking era primeiro os três jornais desportivos, depois as três rádios nacionais (TSF, Antena 1 e Renascença), depois três ou quatro televisões generalistas, depois as televisões desportivas (Sport TV e Eleven Sports), depois os jornais nacionais. Que sentido é que isto faz? Acham que faz sentido uma rádio ou jornal nacional fazer uma promoção ao futebol como a que faz o Maisfutebol ou o Zerozero, por exemplo? Isto não cabe na cabeça de ninguém. Mas já antes tinha acontecido. Aquando da Final Eight da Liga dos Campeões, só havia três lugares para imprensa portuguesa em todos os jogos, excetuando a final, onde havia mais. Posto isto, a Federação Portuguesa de Futebol atribuiu esses lugares aos três desportivos. Porquê? O Maisfutebol e a TVI24 até têm os direitos dos vídeos da Liga dos Campeões para o digital, podiam fazer uma melhor promoção ao futebol, fora o facto de termos feito o Live de todos os jogos dos oitavos de final e a maior parte dos jogos da primeira fase. Algum jornal desportivo faz essa promoção? Não. Mas há aquela ideia de que um jornal desportivo tem mais credibilidade por ser impresso. Lá está, ainda vivemos no século XIX.
STAR – Existirá algum menosprezo pelos media digitais, será isso?
SP – Desconhecimento apenas. O dirigente de futebol em Portugal ainda é aquele que acorda de manhã e lê as capas dos jornais, porque é apenas lá onde estão as notícias. Acham que tudo o que há de importante estará nas capas dos jornais nos quiosques. Isso demonstra que o futebol em Portugal continua a agir como agia em 2005. Por isso é que considero importantes os números de que falei (anuário), porque já estamos no século XXI.
STAR – O MF é um jornal 100% em suporte digital, desde sempre, com uma estratégia de monetização bem consolidada, ou pelo menos o suficiente para subsistir há 20 anos. Na sua ótica, será a tiragem física de um jornal, para as redações tradicionais, um caminhar para o precipício?
SP – Acredito que os jornais saberão, no dia em que assim for. O DN apercebeu-se disso e terminou com a tiragem diária. Percebe-se também que há jornais cada vez mais pequenos. Isso mostra que se estão a adaptar. Acho que haverá sempre lugar para a imprensa em papel, mas tem de se adaptar. O lugar da imprensa já não é dar notícias, o lugar dela é outro, é analisá-las, refletir sobre elas ou explicá-las melhor. Dar notícias já foi um comboio que passou para eles. O problema é que a publicidade no meio digital ainda não atingiu também um estado de maturidade que permita a esses jornais suportar a estrutura que têm, porque há dois players no mercado que adulteram completamente as regras, como é o caso de Facebook e Google. Enquanto estes levarem 80% da publicidade em Portugal, vai ser difícil os outros meios de comunicação social suportarem as estruturas grandes que têm. A publicidade digital ainda não consegue pagar isso.
STAR – A democratização da informação permitiu a qualquer um criar conteúdos. Esta nova realidade pode ser vista como positiva ou negativa para o jornalismo, nomeadamente para o digital, porventura o mais visado?
SP – Houve uma altura em que achei que era positiva, de há uns anos a esta parte acho que é negativa. Veio permitir que se difunda muita informação sem que esta seja validada, provocando a explosão de fake news. Elas nem sempre são propositadas, também as há por desconhecimento e essas espalham-se da mesma maneira. Tem pontos positivos igualmente. Por exemplo, se uma pessoa estiver próxima de um incêndio e conseguir dar eco disso nas redes sociais, é ótimo porque se calhar ela é a única que consegue fazê-lo. Mas tem o revés das fake news e acho que vai ser muito difícil de ultrapassar. Só poderá ser ultrapassado com a exigência do leitor em obter informação certificada por um órgão de comunicação, registado na ERC. Ainda assim, penso que atualmente é cada vez mais difícil encontrar rumores, os jornais e os jornalistas no geral estão mais sérios, sabem que a imagem que estão a criar hoje é aquela que estão a criar para o futuro. Quando for a tal altura de o leitor ser ele próprio mais exigente, o jornal que tenha criado e mantido uma imagem de credibilidade fará a diferença. Não tenho dúvidas sobre isso.
STAR – Enquanto diretor, terá com certeza uma visão mais “aérea” do jornalismo. Qual julga ser o maior desafio da área hoje?
SP – Talvez a canibalização que o Facebook faz aos jornais. Sou totalmente contra. Tem as notícias todas sem ter uma redação, sem pagar a um jornalista, sem pagar uma conta telefónica para fazer uma chamada. Nada! Tem as notícias todas sem gastar um cêntimo e ainda vai buscar milhões à custa do trabalho dos verdadeiros jornalistas. Como se resolve? Saindo do Facebook. E é possível? Não. É desta dicotomia que o Facebook se alimenta, bem como do facto de não haver um entendimento entre os vários publishers. Enquanto isso, vai dando uma migalha aqui e ali. Ofereceu uma migalha em Espanha, penso que 500 milhões de euros aos jornais. Fala-se que pode oferecer uma migalha em Portugal também. Migalha, comparativamente ao que ganha com os jornais, porque não ajuda nada, sobretudo quando pensamos no tráfego que estes perdem, sem poderem fazer nada por isso. Não há nada a fazer neste momento, tinha de ser um movimento coletivo, porque se todos saem menos um, esse que ficou continuará a dar os conteúdos ao Facebook e terá muito mais audiência ao não sair. O Facebook aumenta a audiência, sim, mas canibaliza os conteúdos. É justo? Acho que não, mas é difícil mudar.
STAR – E o maior desafio no futuro?
SP – Os jornais ainda não conseguem viver no ano de 2020. O jornalismo ainda se faz muito como se fazia para o papel. Os sites ainda o fazem muito como se fazia para os jornais antigamente. Acho que ainda não conseguimos descobrir como o jornalismo mudou, como fazer jornalismo hoje. O maior desafio é adaptar o jornalismo a tudo o que nos envolve agora, às redes sociais, à tecnologia, a tudo. Esta mudança toda vai ter de levar a uma mudança também no jornalismo.
STAR – Na sua visão conceptual e cultural do MF, perspetiva alguma inovação estratégica ou reposicionamento a longo prazo?
SP – Reposicionamento não. O Maisfutebol vai ser o que sempre foi. Mas há coisas que vamos fazer de forma diferente. Não posso revelar, porque tem de ser surpresa na altura (risos). Mas haverá coisas diferentes, tanto a nível de conteúdo, como na forma de mostrá-los. Ideias há sempre, é fácil ter ideias, mas o mais complicado é ter meios para concretizá-las, porque o nosso meio é muito pequeno em Portugal e estamos sempre a lutar contra a falta de receita, que nos estrangula. Se houvesse dinheiro, era fácil fazer a mudança necessária, só que em Portugal estamos sempre condicionados pelo estrangulamento financeiro e por um mercado curto. Há muitos sites para um mercado curto, daí muitos até já estarem a dar o salto para o mercado brasileiro.
STAR – O Sérgio tem já uma longa carreira como jornalista, fez a cobertura de diversos eventos de grande escala. Tem algum episódio caricato que possa partilhar?
SP – No Mundial 2018, na Rússia, facilitei um bocado, que até é algo que não costumo fazer. O meu hotel ficava a 30 quilómetros de Moscovo. Fui para o Estádio Luzhniki e, no final do jogo, pensei em chamar um Uber. Só que aquele estádio tem tipo quilómetro e meio de praça, sem trânsito sequer. Descobrir onde está o nosso Uber naquele estádio é impossível. Chamei três e não dei com nenhum. Entretanto começou a ficar um ambiente um pouco pesado, muitos russos a virem falar comigo na língua deles, a polícia a 20 metros de mim, mas não quis saber. A polícia na Rússia é um caso à parte. Desviei-me um pouco, para evitar aquele ambiente, mas o Uber continuava sem aparecer. Então apanhei um táxi, de um tipo que não era russo, dá-me ideia que seria do Iraque ou assim. Fez-me um preço caríssimo, mas era uma da manhã e o meu hotel ainda ficava longe, portanto aceitei. Só que ele tinha um telemóvel enorme, daqueles antigos, com teclas ainda. Meteu lá o mapa e perdeu-se. Eram duas da manhã e estávamos num caminho de terra batida no meio de uma floresta, com a lua a servir de luz e o tipo aos gritos na língua dele. Pensei logo, estou lixado, este tipo deve ter um taco na mala e vai deixar-me aqui no meio (risos). Eu tinha 2% de bateria no telemóvel e pensei em poupá-los, porque, se não, nunca mais davam por mim. Mas pensei “seja o que Deus quiser” e arrisquei colocar o mapa no meu. Foi um daqueles momentos em que parece que Deus olhou por mim porque aqueles 2% deram para chegar ao hotel. Mas tirando isso gostei imenso da Rússia. Os russos foram simpáticos, ainda que sejam um pouco malucos (risos). Não sei se sabiam, mas eles bebem perfume para se embebedarem mais rápido (risos).
STAR – A quem seria a sua entrevista de sonho?
SP – Talvez Maradona, certamente teria muitas coisas para contar. E talvez o Mourinho, mas ele já fala mais vezes.
STAR – No panorama do futebol português, qual foi o jogador que mais o impressionou ver jogar e por que razão lhe deixou essa marca?
SP – O jogador que mais me marcou foi o Pedro Barbosa. Até já escrevi um texto sobre isso. Era aquele jogador que, quando o via, dava-me vontade de pegar numa bola e ir jogar para a rua. Enchia-me mesmo as medidas, tinha muita classe. Não era tanto por ver futebol, era mesmo por aquele lado mais infantil do “eu quero ser e jogar assim”. Mas o meu ídolo de infância sempre foi o Futre. Sou da altura em que todos os miúdos queriam ser o Futre. Era Deus. Como agora existe o Ronaldo, para nós havia o Futre. Havia o comum dos mortais e o Futre lá em cima.