Setembro 2020 | Por: Nuno Aguiar-Branco & Tiago F. Silva
A caminho de uma década sob a tutela do FC Porto, o Porto Canal cresceu a pulso e apresenta-se hoje como um dos baluartes da informação generalista, mas também com um foco permanente sobre o desporto. É essa a vertente onde se destaca Tiago Marques, um dos principais rostos do canal. A indústria do futebol cresceu e criou desafios, alguns dos quais detalhados pelo jornalista, em entrevista à STAR. Uma conversa sobre o presente e futuro da profissão, mas numa abordagem um pouco diferente da que estamos habituados.
STAR – Tiago, o gosto pelo jornalismo veio de onde e porquê na vertente de desporto?
Tiago Marques – Remete para os primórdios da minha vida. Não percebo bem o motivo de ter escolhido a vertente mais desportiva, mas sempre gostei de desporto, de o praticar, portanto, estava ligado à área. Por acaso, as minhas dúvidas profissionais até eram em duas áreas em que era difícil ter saídas, como Educação Física ou Jornalismo. Optei pelo jornalismo. Mas a minha ligação era maior, não sei explicar bem. Recordo-me de estar a ver um Mundial ou Europeu de Hóquei em Patins e de ter um gravador na mão para relatar os jogos, tipo uma simulação do jogo, ainda em criança, sem qualquer estímulo por parte dos meus pais. Bom, mas como adoro desporto, acabo por estar mais perto da atividade no jornalismo desportivo. Talvez tenha sido por isso, mas a ligação parece ser mais profunda, não sei explicar muito bem.
STAR – Por falar em desporto, será mais fácil enfrentar a câmara ou ensinar jovens a fazer o apoio facial invertido? Sabemos que houve aí uma ideia de ter seguido outra área profissional, certo?
TM – Mais fácil enfrentar uma câmara (risos), porque nunca cheguei a ter as bases para o ensino. Inicialmente até fui para área de Desporto, no 10º ano, depois troquei por Humanidades. Mas é muito mais fácil enfrentar uma câmara, até porque, lá está, é algo normal, também não sei explicar (risos). Houve muito trabalho, claro, mas tudo aconteceu com normalidade, não passei pelo natural processo de adaptação. Perdeu-se um professor de educação física, mas talvez tenha sido melhor assim (risos). Não tenho bases para ensinar quem quer que seja e também não é fácil.
STAR – Dentro da cronologia do jornalismo português, tem alguma figura como referência, o que o tenha inspirado a seguir esta carreira?
TM – Não é muito fácil escolher um nome. O do Pedro Pinto é sempre um dos primeiros que me vem à memória. Na fase em que comecei a interessar-me mais por jornalismo, julgo que até foi na altura em que ele trocou a RTP pela CNN, foi uma transição grande. Ainda para mais, virou-se muito para a área do Desporto, o que foi logo um chamamento. Embora só tenha tido contacto com ele uma ou outra vez, foi uma pessoa a quem estive sempre atento. Mas há outros. Comecei a trabalhar na imprensa escrita e no Primeiro de Janeiro, portanto destaco Joaquim Sousa, o meu primeiro editor, Jorge Queirós, o editor-chefe, pessoas que não são mediáticas, mas que foram muito importantes, bem como outros colegas dessa redação. Recordo-me de ficar sempre impressionado com o Hélder Conduto. Hoje, curiosamente, trabalha na TV do Benfica (BTV) e eu no Porto Canal, pertencente ao FC Porto. Quando ele ainda era jornalista na RTP, recordo-me de estarmos os dois a acompanhar um estágio da Seleção Nacional e fiquei impressionado com os diretos dele in loco. O Rui Cerqueira, com quem também trabalho diariamente e é uma pessoa que não me pode passar ao lado, não só pela forma de trabalhar, como também pela organização, para além dos diretos, que todos tivemos oportunidade de ver agora durante o período de confinamento. Da minha geração, destaco Carlos Rodrigues, Ivo Costa ou Manuel Fernandes Silva. Quer dizer, há profissionais de grande qualidade, mas referências concretamente nunca tive, apenas pessoas que ia seguindo aqui e ali. Hoje até sigo muito o Gary Lineker, que nem é formado em jornalismo, mas é um ex-jogador e um brilhante apresentador. Dá para tirar algumas ideias dos estrangeiros, embora o poderio e até a cultura sejam diferentes. No fundo, foi sempre um go with the flow na minha vida profissional, um pouco como na minha vida pessoal (risos).
STAR – Quem envereda pelo jornalismo tem três caminhos: pivô de TV, repórter, ou um jornalista menos “mediático” (imprensa ou rádio, por exemplo). Outros há que acabam por escolher um e ir parar noutro. Qual destas opções mais se encaixa na sua história?
TM – Escolhi imprensa escrita e fui parar à televisão. Estou no Porto Canal há 15 anos, mas o meu objetivo nunca foi trabalhar em televisão. Não era de todo um objetivo meu trabalhar em televisão, nem rádio, e muitos colegas de universidade podem atestar isso. Obviamente que trabalhava para ter boas notas, mas era diferente nas aulas de imprensa escrita. Agora, a partir do momento em que comecei a trabalhar em televisão, ganhei um gosto muito grande e adoro estar no terreno e poder fazer reportagem de pista nos jogos, por exemplo. É legítimo quem tenha como objetivo apresentar um certo programa, mas nunca o tive, o que até pode parecer mal, porque pode dar a entender que não sou ambicioso. Mas não é por aí. À medida que fui fazendo, ia aprendendo e melhorando. Quando não estou a trabalhar, confesso que tento desligar-me um pouco da televisão, um pouco consequência dos anos. Mas também não são muitos esses momentos. Mesmo quando não está o televisor ligado, está o telemóvel, então não dá para desligar por completo do que se passa, até sob o risco de perder alguma coisa.
STAR – Hoje assistimos a um fenómeno de democratização do jornalismo, noutras plataformas como o YouTube. Existem já jornalistas com canais próprios de divulgação de informação exclusiva, entre outro tipo de conteúdos. Acha que o futuro da indústria passará por aqui? Haverá mais alguma possível tendência futura?
TM – Acho que também passará por aí, certamente. No Brasil já acontece muito, embora sejam mercados diferentes, a começar logo pela aceitação. As pessoas lá aceitam melhor o jornalista a ter conteúdo com treinadores ou jogadores, para ver em qualquer lado. É um cenário muito diferente. Em Portugal, não há tanta facilidade em ter esses conteúdos e esse impacto, mas acho que irá existir cada vez mais. Aliás, já existem, mas ainda não têm muito impacto, provavelmente. Ainda assim, acredito que irão ter sucesso e conseguir ter esse espaço, até porque não é esse tipo de conteúdos que vai condicionar aqueles que já temos. Acho que vamos abrir o leque de possibilidades e o espaço para outros canais. Qual a tendência futura? Tentam muitas coisas. Há jornalistas no Twitter que têm impacto porque têm acesso a informações, que se confirmam, daí ganharem credibilidade e força naquilo que fazem. Mas também temos organizações, que não apenas os clubes, que juntam os jogadores. No Brasil há o canal “Desimpedidos”, mas há outras organizações que têm impacto, porque conseguem chegar aos atletas e treinadores. Acho que existirá cada vez mais espaço para isso. Também depende dos canais. Por exemplo, agora temos o TikTok, que está a ter um sucesso crescente, mas até nem faço ideia de como poderia ser encaixado um conteúdo ao estilo do “Desimpedidos”. As coisas vão evoluir, a criatividade será mais bem aceite. Aliás, uma das características do Desporto é a igualdade. Posso ter nascido rico ou pobre, mas em campo prova-se quem é o melhor. De certa forma, se atendermos a que não havia espaço para todos na Comunicação Social, hoje é tudo mais democrático. Quem quiser criar um canal, cria. Depois, se as pessoas gostarem, terá impacto e chamará a atenção de outros grandes meios de comunicação, porque a audiência é que manda sempre. Portanto, acaba por ser um grande trunfo para o futuro e quem conseguir apanhar essa onda, irá ter uma vantagem grande. Haverá quem torça o nariz, mas há sempre alguém que adere e segue.
STAR – Faz sentido a informação caminhar no sentido de mais um “infotainment”, informação com componente de entretenimento, ao invés de mantermos tudo nos moldes de sempre?
TM – Sem dúvida. Aliás, isso nos Estados Unidos já acontece há muito tempo. Obviamente que há determinadas temáticas que não podem ser abordadas com ligeireza, é preciso haver um equilíbrio. Mas aquela postura sempre séria também foi afastando as pessoas, aos poucos. Elas definem tudo e o início de alguns produtos nos Estados Unidos, que é onde me lembro de ter visto primeiro, fez perceber rapidamente que deveria ser esse o caminho a seguir, embora haja questões culturais a ultrapassar.
STAR – Como foram vividos os últimos meses sem competição e com que desafios se depararam enquanto equipa, no Porto Canal?
TM – Não foi fácil, como é evidente. A nossa equipa está a olhar, especificamente, para aquilo que acontece no FC Porto, a nível do futebol e modalidades. E parou tudo, sobretudo as modalidades e os escalões jovens. Só mesmo o futebol é que regressou. Foi um apelo à criatividade de todos, embora cheios de preocupações, mas o trabalho tinha de continuar e foi preciso reinventarmo-nos um pouco. Trabalhei durante esses meses todos na sala da minha casa e não foi fácil, porque não tenho uma casa grande, por isso ainda mais confinado fiquei. Mas acho que superámos bem o desafio. Pessoas diferentes, com ideias diferentes. É difícil quantificar, mas acho que ainda trabalhámos mais nestes meses sem competição. Não tínhamos os diretos. Eu até no meu canal de YouTube fiz bastantes, mas em termos profissionais não tínhamos. Mas trabalhámos ainda mais, porque fomos atrás de coisas que estavam a acontecer, como entrevistas a jogadores, balanços da época das modalidades e coisas desse género. Trabalhámos mais e superámos como equipa os meses de confinamento. Foi um novo normal, mas conseguimos dar a volta a esse tema e chegar a pessoas que normalmente não conseguiríamos, bem como a jogadores que normalmente estão concentrados nos jogos, porque são sucessivos e não há margem para essas entrevistas. Durante esta paragem foi permitido isso e acho que foi positivo nesse sentido, deu às pessoas que acompanham o FC Porto a oportunidade de ver o que queriam. E houve muitas pessoas a ver, pelo que, no final, é isso que faz a avaliação do que vamos fazendo.
STAR – Sente que esta pandemia, ao invés de afastar as pessoas, acabou por juntá-las ainda mais, até no capítulo do trabalho jornalístico?
TM – Sem dúvida. Até mesmo na forma como fazemos esta entrevista (videoconferência), vocês conseguem tirar mais de mim do que por telefone, por exemplo. E na parte dos entrevistados, começou a haver mais flexibilidade também. Não no Porto Canal, mas no meu canal de YouTube, quem diria que iria estar a fazer uma live com Drulovic, Jardel, Chainho, Rubens Júnior e mais outros? Até fiz um com o Lixa, que era jogador do V. Guimarães e que agora trabalha num hotel em Paris. De repente estava ali comigo em direto, com histórias mirabolantes. Antes não era possível, porque não podiam encontrar-se comigo no Porto ou assim. Agora combinamos uma live a determinada hora e já estão todos acostumados, até porque viram outros a fazer. Há seis meses era tudo diferente. Esta nova realidade permitiu isso e acho que veio para ficar. Eliminaram-se essas barreiras. Fecharam-se as portas das casas, mas abriram-se as janelas para falarmos com toda a gente.
STAR – Ao longo do seu percurso como jornalista, deparou-se com momentos inusitados, certamente. Consegue destacar alguma história de terreno engraçada?
TM – Ainda antes de o Porto Canal ser do FC Porto, eu enquanto jornalista fui fazer a reportagem do jogo em que o FC Porto do André Villas-Boas foi campeão na Luz. Nesse fim de semana, não sei porquê, não havia carros para alugar, então a solução foi ir no meu. E pronto, o resto já se sabe, uma festa sem luz, uma conferência de imprensa já com todos molhados, seguiu-se a ida para o autocarro e o caminho de regresso para o Porto, onde já estavam todos em êxtase. Então seguimos, naquela comitiva grande de carros da comunicação social, todos em direto. O nosso repórter de imagem Bruno Marinho, ia com o banco rebaixado, para poder ter a câmara com a mochila do direto, e eu a conduzir, com um microfone de lapela e um auscultador no ouvido para ouvir a régie e relatar as incidências. Ia a seguir o autocarro, num direto, com o repórter a fazer a imagem. Às tantas, veio uma carrinha da GNR e mandou-se toda para cima. Foi colocar o pé no travão e os carros todos que iam atrás também tiveram de travar. E seguimos assim (risos). Essa viagem foi muito complicada, sempre em direto, ainda que nem sempre em constante direto. No meio das buzinadelas, ia sendo chamado, com o repórter a fazer a imagem. A determinada altura, tentámos ultrapassar o autocarro, com o intuito de mostrar outras imagens. Então estou eu a falar e, de repente, o autocarro sai (risos). Soube depois que os jogadores queriam mais gelo, porque já tinham gastado o que havia no autocarro, então pararam numa estação de serviço. Ora, de repente, quem estava a ver o Porto Canal só via árvores, porque o autocarro saiu e nós continuámos. Parámos à frente, o que é completamente crime na autoestrada. Abrimos o vidro do pendura, de forma a melhorar o enquadramento, para o repórter filmar-me e ficámos a aguardar. Ao chegar ao Porto, colocou-se o problema da gasolina, porque, como não parámos, não abastecemos. Chegámos ao Estádio do Dragão, com um caos enorme, mas tínhamos zero gasolina. Na altura, com a adrenalina, fomos a tempo de largar o carro e ir atrás do autocarro a pé. Não imaginava que um dia o Porto Canal iria pertencer ao FC Porto, mas cheguei e perguntei se podíamos ir lá para a frente do autocarro. Então, olhei para o Vítor Santos, motorista do FC Porto, que na altura nem conhecia, pedi para mandar o microfone para lá e é aí que aparece o Hulk a cantar a música desse ano. Foi o vídeo mais visto dessa semana no YouTube em Portugal. Depois dessa viagem, e após quase 24 horas de trabalho, tudo culminou nesse momento de loucura. Até podiam ter dito zero, mas deu naquilo, foi um brilharete (risos).
STAR – Já tem uma carreira consideravelmente extensa e entrevistou grandes nomes. No entanto, a quem seria a sua entrevista de sonho?
TM – Já entrevistei o presidente Pinto da Costa, que obviamente é um ícone, aliás, alguém com quem convivemos com frequência a nível profissional, mas que ainda assim mete sempre respeito em qualquer que seja a entrevista. Entrevistei Lionel Messi, o que também é um momento único para qualquer jornalista, embora ele seja muito tímido e foi numa flash interview. Gostaria de entrevistar novamente Lucho González, Domingos Paciência todos os dias, porque é um dos meus grandes ídolos, Jorge Costa, João Pinto, Paulo Sousa. Talvez escolhesse Cristiano Ronaldo e Roger Federer, mas haveria muitos (risos). Embora gostasse de repetir várias dessas entrevistas, gostava era de cobrir uns Jogos Olímpicos, mais até do que um Mundial de futebol, porque, para mim, é o grande evento. E até como atleta, neste caso de hóquei em campo, sempre tive aquela utopia de participar nuns Jogos Olímpicos, mas como jornalista já ficaria contente.
STAR – No panorama do futebol português, qual foi o jogador que mais o impressionou ver jogar e por que razão lhe deixou essa marca?
TM- Daquelas camisolas de réplica que se comprava, eu em criança, para além das do FC Porto, tinha uma do Paulo Sousa. Borussia Dortmund, número 19, nada usual na época. Era um jogador de uma elegância fora do normal. O ritmo que impunha, a capacidade de pensamento do jogo que, na altura, era mais à frente da dos outros. Adorava vê-lo jogar, foi pena as lesões que teve, que o impossibilitaram de fazer mais e melhor, embora tenha sido bicampeão europeu. Ainda hoje me lembro dos passes dele, aqueles passes para Ravanelli e Vialli na Juventus, era uma coisa incrível. Era o “Il Regista” em Itália, um craque, da ponta dos pés à ponta dos cabelos e tinha cabelo para ter sido mais craque ainda. Não marcava muitos golos, mas até quando os marcava eram fantásticos. Era inacreditável aquilo que trazia ao jogo.
Deco era juntar fantasia à qualidade e à raça. Embora não fosse do Porto, parecia que o era desde sempre, porque era um jogador que tinha aquela fantasia toda, aquela qualidade toda, mas tinha nele próprio a raça das suas gentes. Mesmo quando perdia a bola, ia atrás e era capaz de fazer um carrinho, como se fosse um Paulinho Santos. Também se não o fizesse, se calhar o Paulinho Santos cairia em cima dele (risos). Havia muitas referências naquela equipa, mas o Deco era um jogador à parte.
A caminho de uma década sob a tutela do FC Porto, o Porto Canal cresceu a pulso e apresenta-se hoje como um dos baluartes da informação generalista, mas também com um foco permanente sobre o desporto. É essa a vertente onde se destaca Tiago Marques, um dos principais rostos do canal. A indústria do futebol cresceu e criou desafios, alguns dos quais detalhados pelo jornalista, em entrevista à STAR. Uma conversa sobre o presente e futuro da profissão, mas numa abordagem um pouco diferente da que estamos habituados.
STAR – Tiago, o gosto pelo jornalismo veio de onde e porquê na vertente de desporto?
Tiago Marques – Remete para os primórdios da minha vida. Não percebo bem o motivo de ter escolhido a vertente mais desportiva, mas sempre gostei de desporto, de o praticar, portanto, estava ligado à área. Por acaso, as minhas dúvidas profissionais até eram em duas áreas em que era difícil ter saídas, como Educação Física ou Jornalismo. Optei pelo jornalismo. Mas a minha ligação era maior, não sei explicar bem. Recordo-me de estar a ver um Mundial ou Europeu de Hóquei em Patins e de ter um gravador na mão para relatar os jogos, tipo uma simulação do jogo, ainda em criança, sem qualquer estímulo por parte dos meus pais. Bom, mas como adoro desporto, acabo por estar mais perto da atividade no jornalismo desportivo. Talvez tenha sido por isso, mas a ligação parece ser mais profunda, não sei explicar muito bem.
STAR – Por falar em desporto, será mais fácil enfrentar a câmara ou ensinar jovens a fazer o apoio facial invertido? Sabemos que houve aí uma ideia de ter seguido outra área profissional, certo?
TM – Mais fácil enfrentar uma câmara (risos), porque nunca cheguei a ter as bases para o ensino. Inicialmente até fui para área de Desporto, no 10º ano, depois troquei por Humanidades. Mas é muito mais fácil enfrentar uma câmara, até porque, lá está, é algo normal, também não sei explicar (risos). Houve muito trabalho, claro, mas tudo aconteceu com normalidade, não passei pelo natural processo de adaptação. Perdeu-se um professor de educação física, mas talvez tenha sido melhor assim (risos). Não tenho bases para ensinar quem quer que seja e também não é fácil.
STAR – Dentro da cronologia do jornalismo português, tem alguma figura como referência, o que o tenha inspirado a seguir esta carreira?
TM – Não é muito fácil escolher um nome. O do Pedro Pinto é sempre um dos primeiros que me vem à memória. Na fase em que comecei a interessar-me mais por jornalismo, julgo que até foi na altura em que ele trocou a RTP pela CNN, foi uma transição grande. Ainda para mais, virou-se muito para a área do Desporto, o que foi logo um chamamento. Embora só tenha tido contacto com ele uma ou outra vez, foi uma pessoa a quem estive sempre atento. Mas há outros. Comecei a trabalhar na imprensa escrita e no Primeiro de Janeiro, portanto destaco Joaquim Sousa, o meu primeiro editor, Jorge Queirós, o editor-chefe, pessoas que não são mediáticas, mas que foram muito importantes, bem como outros colegas dessa redação. Recordo-me de ficar sempre impressionado com o Hélder Conduto. Hoje, curiosamente, trabalha na TV do Benfica (BTV) e eu no Porto Canal, pertencente ao FC Porto. Quando ele ainda era jornalista na RTP, recordo-me de estarmos os dois a acompanhar um estágio da Seleção Nacional e fiquei impressionado com os diretos dele in loco. O Rui Cerqueira, com quem também trabalho diariamente e é uma pessoa que não me pode passar ao lado, não só pela forma de trabalhar, como também pela organização, para além dos diretos, que todos tivemos oportunidade de ver agora durante o período de confinamento. Da minha geração, destaco Carlos Rodrigues, Ivo Costa ou Manuel Fernandes Silva. Quer dizer, há profissionais de grande qualidade, mas referências concretamente nunca tive, apenas pessoas que ia seguindo aqui e ali. Hoje até sigo muito o Gary Lineker, que nem é formado em jornalismo, mas é um ex-jogador e um brilhante apresentador. Dá para tirar algumas ideias dos estrangeiros, embora o poderio e até a cultura sejam diferentes. No fundo, foi sempre um go with the flow na minha vida profissional, um pouco como na minha vida pessoal (risos).
STAR – Quem envereda pelo jornalismo tem três caminhos: pivô de TV, repórter, ou um jornalista menos “mediático” (imprensa ou rádio, por exemplo). Outros há que acabam por escolher um e ir parar noutro. Qual destas opções mais se encaixa na sua história?
TM – Escolhi imprensa escrita e fui parar à televisão. Estou no Porto Canal há 15 anos, mas o meu objetivo nunca foi trabalhar em televisão. Não era de todo um objetivo meu trabalhar em televisão, nem rádio, e muitos colegas de universidade podem atestar isso. Obviamente que trabalhava para ter boas notas, mas era diferente nas aulas de imprensa escrita. Agora, a partir do momento em que comecei a trabalhar em televisão, ganhei um gosto muito grande e adoro estar no terreno e poder fazer reportagem de pista nos jogos, por exemplo. É legítimo quem tenha como objetivo apresentar um certo programa, mas nunca o tive, o que até pode parecer mal, porque pode dar a entender que não sou ambicioso. Mas não é por aí. À medida que fui fazendo, ia aprendendo e melhorando. Quando não estou a trabalhar, confesso que tento desligar-me um pouco da televisão, um pouco consequência dos anos. Mas também não são muitos esses momentos. Mesmo quando não está o televisor ligado, está o telemóvel, então não dá para desligar por completo do que se passa, até sob o risco de perder alguma coisa.
STAR – Hoje assistimos a um fenómeno de democratização do jornalismo, noutras plataformas como o YouTube. Existem já jornalistas com canais próprios de divulgação de informação exclusiva, entre outro tipo de conteúdos. Acha que o futuro da indústria passará por aqui? Haverá mais alguma possível tendência futura?
TM – Acho que também passará por aí, certamente. No Brasil já acontece muito, embora sejam mercados diferentes, a começar logo pela aceitação. As pessoas lá aceitam melhor o jornalista a ter conteúdo com treinadores ou jogadores, para ver em qualquer lado. É um cenário muito diferente. Em Portugal, não há tanta facilidade em ter esses conteúdos e esse impacto, mas acho que irá existir cada vez mais. Aliás, já existem, mas ainda não têm muito impacto, provavelmente. Ainda assim, acredito que irão ter sucesso e conseguir ter esse espaço, até porque não é esse tipo de conteúdos que vai condicionar aqueles que já temos. Acho que vamos abrir o leque de possibilidades e o espaço para outros canais. Qual a tendência futura? Tentam muitas coisas. Há jornalistas no Twitter que têm impacto porque têm acesso a informações, que se confirmam, daí ganharem credibilidade e força naquilo que fazem. Mas também temos organizações, que não apenas os clubes, que juntam os jogadores. No Brasil há o canal “Desimpedidos”, mas há outras organizações que têm impacto, porque conseguem chegar aos atletas e treinadores. Acho que existirá cada vez mais espaço para isso. Também depende dos canais. Por exemplo, agora temos o TikTok, que está a ter um sucesso crescente, mas até nem faço ideia de como poderia ser encaixado um conteúdo ao estilo do “Desimpedidos”. As coisas vão evoluir, a criatividade será mais bem aceite. Aliás, uma das características do Desporto é a igualdade. Posso ter nascido rico ou pobre, mas em campo prova-se quem é o melhor. De certa forma, se atendermos a que não havia espaço para todos na Comunicação Social, hoje é tudo mais democrático. Quem quiser criar um canal, cria. Depois, se as pessoas gostarem, terá impacto e chamará a atenção de outros grandes meios de comunicação, porque a audiência é que manda sempre. Portanto, acaba por ser um grande trunfo para o futuro e quem conseguir apanhar essa onda, irá ter uma vantagem grande. Haverá quem torça o nariz, mas há sempre alguém que adere e segue.
STAR – Faz sentido a informação caminhar no sentido de mais um “infotainment”, informação com componente de entretenimento, ao invés de mantermos tudo nos moldes de sempre?
TM – Sem dúvida. Aliás, isso nos Estados Unidos já acontece há muito tempo. Obviamente que há determinadas temáticas que não podem ser abordadas com ligeireza, é preciso haver um equilíbrio. Mas aquela postura sempre séria também foi afastando as pessoas, aos poucos. Elas definem tudo e o início de alguns produtos nos Estados Unidos, que é onde me lembro de ter visto primeiro, fez perceber rapidamente que deveria ser esse o caminho a seguir, embora haja questões culturais a ultrapassar.
STAR – Como foram vividos os últimos meses sem competição e com que desafios se depararam enquanto equipa, no Porto Canal?
TM – Não foi fácil, como é evidente. A nossa equipa está a olhar, especificamente, para aquilo que acontece no FC Porto, a nível do futebol e modalidades. E parou tudo, sobretudo as modalidades e os escalões jovens. Só mesmo o futebol é que regressou. Foi um apelo à criatividade de todos, embora cheios de preocupações, mas o trabalho tinha de continuar e foi preciso reinventarmo-nos um pouco. Trabalhei durante esses meses todos na sala da minha casa e não foi fácil, porque não tenho uma casa grande, por isso ainda mais confinado fiquei. Mas acho que superámos bem o desafio. Pessoas diferentes, com ideias diferentes. É difícil quantificar, mas acho que ainda trabalhámos mais nestes meses sem competição. Não tínhamos os diretos. Eu até no meu canal de YouTube fiz bastantes, mas em termos profissionais não tínhamos. Mas trabalhámos ainda mais, porque fomos atrás de coisas que estavam a acontecer, como entrevistas a jogadores, balanços da época das modalidades e coisas desse género. Trabalhámos mais e superámos como equipa os meses de confinamento. Foi um novo normal, mas conseguimos dar a volta a esse tema e chegar a pessoas que normalmente não conseguiríamos, bem como a jogadores que normalmente estão concentrados nos jogos, porque são sucessivos e não há margem para essas entrevistas. Durante esta paragem foi permitido isso e acho que foi positivo nesse sentido, deu às pessoas que acompanham o FC Porto a oportunidade de ver o que queriam. E houve muitas pessoas a ver, pelo que, no final, é isso que faz a avaliação do que vamos fazendo.
STAR – Sente que esta pandemia, ao invés de afastar as pessoas, acabou por juntá-las ainda mais, até no capítulo do trabalho jornalístico?
TM – Sem dúvida. Até mesmo na forma como fazemos esta entrevista (videoconferência), vocês conseguem tirar mais de mim do que por telefone, por exemplo. E na parte dos entrevistados, começou a haver mais flexibilidade também. Não no Porto Canal, mas no meu canal de YouTube, quem diria que iria estar a fazer uma live com Drulovic, Jardel, Chainho, Rubens Júnior e mais outros? Até fiz um com o Lixa, que era jogador do V. Guimarães e que agora trabalha num hotel em Paris. De repente estava ali comigo em direto, com histórias mirabolantes. Antes não era possível, porque não podiam encontrar-se comigo no Porto ou assim. Agora combinamos uma live a determinada hora e já estão todos acostumados, até porque viram outros a fazer. Há seis meses era tudo diferente. Esta nova realidade permitiu isso e acho que veio para ficar. Eliminaram-se essas barreiras. Fecharam-se as portas das casas, mas abriram-se as janelas para falarmos com toda a gente.
STAR – Ao longo do seu percurso como jornalista, deparou-se com momentos inusitados, certamente. Consegue destacar alguma história de terreno engraçada?
TM – Ainda antes de o Porto Canal ser do FC Porto, eu enquanto jornalista fui fazer a reportagem do jogo em que o FC Porto do André Villas-Boas foi campeão na Luz. Nesse fim de semana, não sei porquê, não havia carros para alugar, então a solução foi ir no meu. E pronto, o resto já se sabe, uma festa sem luz, uma conferência de imprensa já com todos molhados, seguiu-se a ida para o autocarro e o caminho de regresso para o Porto, onde já estavam todos em êxtase. Então seguimos, naquela comitiva grande de carros da comunicação social, todos em direto. O nosso repórter de imagem Bruno Marinho, ia com o banco rebaixado, para poder ter a câmara com a mochila do direto, e eu a conduzir, com um microfone de lapela e um auscultador no ouvido para ouvir a régie e relatar as incidências. Ia a seguir o autocarro, num direto, com o repórter a fazer a imagem. Às tantas, veio uma carrinha da GNR e mandou-se toda para cima. Foi colocar o pé no travão e os carros todos que iam atrás também tiveram de travar. E seguimos assim (risos). Essa viagem foi muito complicada, sempre em direto, ainda que nem sempre em constante direto. No meio das buzinadelas, ia sendo chamado, com o repórter a fazer a imagem. A determinada altura, tentámos ultrapassar o autocarro, com o intuito de mostrar outras imagens. Então estou eu a falar e, de repente, o autocarro sai (risos). Soube depois que os jogadores queriam mais gelo, porque já tinham gastado o que havia no autocarro, então pararam numa estação de serviço. Ora, de repente, quem estava a ver o Porto Canal só via árvores, porque o autocarro saiu e nós continuámos. Parámos à frente, o que é completamente crime na autoestrada. Abrimos o vidro do pendura, de forma a melhorar o enquadramento, para o repórter filmar-me e ficámos a aguardar. Ao chegar ao Porto, colocou-se o problema da gasolina, porque, como não parámos, não abastecemos. Chegámos ao Estádio do Dragão, com um caos enorme, mas tínhamos zero gasolina. Na altura, com a adrenalina, fomos a tempo de largar o carro e ir atrás do autocarro a pé. Não imaginava que um dia o Porto Canal iria pertencer ao FC Porto, mas cheguei e perguntei se podíamos ir lá para a frente do autocarro. Então, olhei para o Vítor Santos, motorista do FC Porto, que na altura nem conhecia, pedi para mandar o microfone para lá e é aí que aparece o Hulk a cantar a música desse ano. Foi o vídeo mais visto dessa semana no YouTube em Portugal. Depois dessa viagem, e após quase 24 horas de trabalho, tudo culminou nesse momento de loucura. Até podiam ter dito zero, mas deu naquilo, foi um brilharete (risos).
STAR – Já tem uma carreira consideravelmente extensa e entrevistou grandes nomes. No entanto, a quem seria a sua entrevista de sonho?
TM – Já entrevistei o presidente Pinto da Costa, que obviamente é um ícone, aliás, alguém com quem convivemos com frequência a nível profissional, mas que ainda assim mete sempre respeito em qualquer que seja a entrevista. Entrevistei Lionel Messi, o que também é um momento único para qualquer jornalista, embora ele seja muito tímido e foi numa flash interview. Gostaria de entrevistar novamente Lucho González, Domingos Paciência todos os dias, porque é um dos meus grandes ídolos, Jorge Costa, João Pinto, Paulo Sousa. Talvez escolhesse Cristiano Ronaldo e Roger Federer, mas haveria muitos (risos). Embora gostasse de repetir várias dessas entrevistas, gostava era de cobrir uns Jogos Olímpicos, mais até do que um Mundial de futebol, porque, para mim, é o grande evento. E até como atleta, neste caso de hóquei em campo, sempre tive aquela utopia de participar nuns Jogos Olímpicos, mas como jornalista já ficaria contente.
STAR – No panorama do futebol português, qual foi o jogador que mais o impressionou ver jogar e por que razão lhe deixou essa marca?
TM- Daquelas camisolas de réplica que se comprava, eu em criança, para além das do FC Porto, tinha uma do Paulo Sousa. Borussia Dortmund, número 19, nada usual na época. Era um jogador de uma elegância fora do normal. O ritmo que impunha, a capacidade de pensamento do jogo que, na altura, era mais à frente da dos outros. Adorava vê-lo jogar, foi pena as lesões que teve, que o impossibilitaram de fazer mais e melhor, embora tenha sido bicampeão europeu. Ainda hoje me lembro dos passes dele, aqueles passes para Ravanelli e Vialli na Juventus, era uma coisa incrível. Era o “Il Regista” em Itália, um craque, da ponta dos pés à ponta dos cabelos e tinha cabelo para ter sido mais craque ainda. Não marcava muitos golos, mas até quando os marcava eram fantásticos. Era inacreditável aquilo que trazia ao jogo.
Deco era juntar fantasia à qualidade e à raça. Embora não fosse do Porto, parecia que o era desde sempre, porque era um jogador que tinha aquela fantasia toda, aquela qualidade toda, mas tinha nele próprio a raça das suas gentes. Mesmo quando perdia a bola, ia atrás e era capaz de fazer um carrinho, como se fosse um Paulinho Santos. Também se não o fizesse, se calhar o Paulinho Santos cairia em cima dele (risos). Havia muitas referências naquela equipa, mas o Deco era um jogador à parte.