Euro2020: o olá e adeus de um modelo inviável

Julho 2021 | Por: Tiago F. Silva

Repórter: “Veio de propósito a Sevilha ver o jogo da Seleção?”

Adepto: “Comprei o bilhete um pouco à sorte, não sabia se seria Portugal a jogar aqui, mas ainda bem que foi!”
Baseado em factos reais. Já lá vamos.

Para já, agora que o Euro2020 terminou, é tempo de balanços.

Dentro de campo, a Itália saiu vencedora e com mérito. Contudo, foi fora do campo que mais se “jogou” nesta edição do Campeonato da Europa.

Também aí, foi um mês repleto de peripécias e controvérsias, porventura muitas delas abafadas pelo saudosismo de assistir de novo a uma grande competição.

É verdade. O Europeu chegou com um ano de atraso, mas, na opinião de alguns, não devia ter chegado de todo.

Ou melhor, não nestes moldes.

24 equipas, 51 jogos, 11 cidades em 11 países diferentes e uma pandemia.

A perspectiva de uma competição que abarcasse toda a Europa revelou-se um fracasso. 

Milhares de quilómetros depois, lá se chegou a essa conclusão.


O mais “injusto” dos Europeus

A expressão não veio da boca de um qualquer adepto, por incrível que pareça. Nem mesmo dos ingleses, finalistas vencidos em Wembley.

Veio antes do presidente da UEFA, imagine-se.

Aleksander Ceferin acredita que foi “injusto” para os adeptos e desequilibrado para as equipas, garantindo que não tenciona repetir um modelo semelhante no futuro.

Desequilibrado como quem diz desvirtuado. Talvez seja essa a expressão mais correta.

Senão veja-se. A Suíça, por exemplo, teve de viajar mais de 15 mil quilómetros, enquanto a Escócia percorreu pouco mais de mil.

“Não vou apoiar este modelo no futuro. De certo modo, não é correto que algumas equipas tenham tido de fazer mais de 10 mil quilómetros e outras apenas mil”, destacou o dirigente, em declarações à BBC.

Além da diferença de quilómetros entre as seleções, Ceferin destacou também as dificuldades sentidas pelos adeptos.

“Não é justo para quem tenha de estar em Roma um dia e depois em Baku poucos dias depois, é um voo de quatro horas e meia”, disse.

Constatações como estas já seriam inaceitáveis num período “normal” das nossas vidas, mas ganham contornos de absurdo em plena pandemia. Pandemia essa que, recorde-se, adiara o Euro2020 para 2021.

E não basta referir a distância entre deslocações. É preciso não esquecer burocracias, condicionantes e procedimentos sanitários necessários a estas.

Válido para todos. Segundo Ceferin, também para os próprios organizadores do torneio foi difícil gerir todo o capítulo da logística.

“Tivemos [UEFA] de viajar muito, para países com jurisdições diferentes, moedas diferentes, países da União Europeia e países fora da União Europeia, portanto não foi fácil”, explicou, frisando ainda:

“Foi um formato que já estava decidido antes de eu chegar e respeito-o. É uma ideia interessante, mas é tão difícil de implementar que penso que não vamos repetir.”


“(It was) coming home”

Mas foi para “Rome”.

Os ingleses cantaram vitória demasiado cedo e pagaram bem por isso na final.

Mas, convenhamos, ninguém os podia criticar, visto que havia bons motivos para celebrar antes do tempo.
Tudo parecia reunido para a conquista do primeiro título europeu da sua história.

À qualidade da equipa, somou-se um sorteio favorável e também um muito menor desgaste físico. Não menos importante do que isso, o fator casa e o apoio dos adeptos.

Recordamos que o Euro2020 foi disputado em onze cidades: Londres, Glasgow, Amsterdão, Copenhaga, São Petersburgo, Sevilha, Munique, Baku, Roma, Bucareste e Budapeste.

Contudo, a fase decisiva disputou-se em Londres apenas. Coincidência, é certo, mas só agudizou ainda mais a tal “injustiça” que Ceferin referiu.

É que os ingleses disputaram um único jogo fora de casa ao longo de toda a prova, numa deslocação até Roma (menos de 3 mil quilómetros no total das viagens).

Curiosamente, é em Roma que agora poderão visitar o troféu que lhes foi “roubado de casa” pelos italianos.
Ironia do destino, quiçá.


Nem tudo se perde, mas tem de transformar-se

Além do triunfo da “Squadra Azzurra”, ficará na memória este assumir de responsabilidades por parte da UEFA.

Mas é preciso dizer que nem tudo foi mau.

Aliás, como já vimos, Ceferin foi o primeiro a reconhecer que o modelo tinha vários pontos interessantes e assim é.

Por exemplo, o poder levar futebol a vários países do Velho Continente é até uma definição mais credível de “Europeu de Futebol”.

Com isso, fomentar-se-ia também o intercâmbio entre adeptos, que assim poderiam vivenciar de outra forma a mística da competição e teriam a oportunidade de conhecer melhor outros países europeus e as respetivas culturas.

Porém, face às condições atuais (pandemia) e até à própria incerteza típica do futebol, tornou-se evidente para muitos que o modelo atual estaria condenado ao insucesso.

Não obstante a já difícil programação durante a fase de grupos, há ainda uma espécie de segunda volta. Isto é, mediante a performance desportiva da equipa nessa fase, é preciso organizar a logística daí em diante.

Ora, naturalmente, tudo isto requer bastante esforço pessoal e financeiro, tornando-se inviável sob o ponto de vista do adepto.

Lembra-se então do exemplo inicial? Foi real e aconteceu numa de tantas outras reportagens do género, aquando da passagem de Portugal à fase eliminatória da prova.

Do ponto de vista desportivo, o esforço desigual imputado às equipas, torna o modelo igualmente controverso e inviável, pelo que haverá também muitas forças a jogar contra a repetição do mesmo.

Lá diz o povo, foi “uma vez sem exemplo”.

É o adeus do melhor do mais injustos Europeus de sempre, que ainda assim deixará saudade pelo futebol que se praticou em campo.

Não fosse a imparidade competitiva, a que mais teríamos direito?

Fica a pergunta, provavelmente sem resposta.

Valha-nos o futebol, porque esse foi bom e assim permanecerá, na memória de todos