Outubro 2020 | Por: Nuno Aguiar-Branco
Imagine-se há 20 anos.
Um serão no sofá, a ver um jogo de futebol na televisão. Num daqueles momentos mais enfadonhos, eis que o comando servia de tentação para um rápido “zapping” pelos vários canais, o que, por vezes, fazia perder um golo ou uma jogada com maior dose de emoção, sem qualquer hipótese de “puxar” atrás a transmissão do jogo.
Lembra-se do quão aborrecido isso era?
Bom, talvez já não seja assim tanto. Não é verdade?
Hoje, é quase natural estar sentado num sofá, a ver um jogo de futebol na televisão, enquanto nos deparamos com uma série de distrações, pequenos concorrentes que deixaram de ser apenas os restantes canais que compunham a grelha televisiva.
Atualmente, a concorrência mudou de posto. Quem luta pelo nosso foco na televisão são os fenómenos digitais, como por exemplo, os tão familiares Netflix, Spotify, Facebook, TikTok, Snapchat, ou até o Uber Eats. É com estes e outros que as atenções revezam e nos embalam na imersividade do conteúdo digital, despoletando uma faceta “multitasking” no consumidor.
Aliás, podemos ampliar a escala do desafio e, num contexto de deslocação ao estádio, questionarmo-nos: quais as forças concorrenciais que esgrimam pela nossa atenção?
O exercício é fácil.
Basta lembrar a vez em que, uma notificação do WhatsApp nos roubou um golo, ou aquela em que, a típica foto no estádio para o Instagram nos fez perder uma substituição na equipa. E ainda aquela em que, a finta estonteante de um jogador da nossa equipa foi apenas vista em casa, porque, entretanto, tinha sido interrompida por um email de trabalho.
É-lhe familiar, não é?
Embora de uma forma superficial, está feita a análise concorrencial com que se deparam os consumidores de futebol, no panorama atual.
Os menores picos de interesse e emoção dos jogos estão a ser supridos e instrumentalizados pelos conteúdos dos “gigantes” tecnológicos. E, enquanto um adulto tende a ser mais resiliente na perda do equilíbrio e afetividade por aquilo que representa o futebol, no caso dos jovens, pode implicar um desinteresse para com a modalidade.
Foi exatamente isso que comprovou um estudo levado a cabo pela ECA (Associação de Clubes Europeus). Intitulado “Fan of the Future”, este mostrou que o interesse pelo futebol decresce e atinge o seu nível mais baixo na faixa etária 16 aos 24 anos, com dois em cada cinco jovens a assumir “odiar” ou “não ter interesse em acompanhar futebol”.
Significa isto que tal segmento etário deve ser gerido com pinças. Cada vez mais, os jovens estão a alocar os seus recursos financeiros noutros setores de entretenimento que não o futebol, constituindo um enorme desafio para muitos dos profissionais das entidades desportivas, dado que poderá ter um impacto significativo a longo prazo.
Desinteresse pelo futebol é maior nos mais jovens
Num esforço de perceber a razão, a ECA concluiu que a maior fatia de consumidores da modalidade (29%) alega ter assuntos mais relevantes com que se ocupar do que seguir futebol. Cerca de 20% assume sentir uma afinidade gradual por indústrias associadas ao desporto (tais como e-sports, por exemplo). Uma fração de 19% assume não gostar da cultura atual do futebol moderno e, outra igual, afirma que o atual despesismo o tornou numa modalidade desinteressante e desequilibrada. Importa ainda salientar que, na faixa 8-12 anos, cerca de 32% diz não seguir futebol por “ser demasiado aborrecido”.
Curiosamente, o preço do evento desportivo parece não constituir um fator primordial de distanciamento dos adeptos, na medida em que aparece em oitavo lugar num universo de 12 motivos possíveis.
O futebol representa uma indústria em constante mudança. A diversidade de acesso ao conteúdo é efetivamente o fenómeno disruptivo, comparativamente ao panorama que se observava há 20 anos. Desse modo, o fácil acesso a uma panóplia de conteúdos cada vez mais alargada, permite uma customização de intenções perante os mesmos.
Como captar e fidelizar os adeptos do amanhã?
Criando estratégias de inclusão.
Como se costuma dizer, “mantém os amigos por perto e os inimigos mais perto ainda”. Neste caso, encaremos os “amigos” como “público fidelizado” e “inimigos” como “concorrentes”.
Atualmente as entidades desportivas estão a adotar estratégias progressistas, ao aglutinar os “players” que concorrem pelo mesmo espaço de interesse que o do seu público fidelizado. Desta forma, estabelecem um associativismo que lhes permite coabitar em simultâneo e de forma harmoniosa.
Esta mutação supramencionada poderá ser o elemento-chave, uma vez que das sinergias poderão resultar associações positivas e geradoras de mais-valias. O “e-Sports” é um exemplo perfeito disso, dado que os principais clubes começam a adotar como modalidade interna, percebendo de antemão que existe uma enorme comunidade (maioritariamente jovem) que poderá fidelizar e manter.
Numa outra via paralela, temos vindo a observar também a criação de parcerias por parte de alguns clubes com as principais plataformas de conteúdo de ficção, chamando-as a si para tentar uma convergência de públicos. Falamos de grandes produções, tais como o “All or Nothing” do Tottenham, “Sunderland til I die”, “Juventus Prima Squadra”, “Barça Dreams”, entre outras, disponibilizadas na Netflix, HBO ou Amazon Prime, por exemplo.
Certo é que, cada vez mais, as entidades desportivas fazem por invadir os principais espaços de interesse dos segmentos jovens e adultos, com o intuito de proporcionar experiências de consumo diferenciadoras e memoráveis.
Aliar a tecnologia, sempre que possível, é extremamente importante, na medida em que se procura oferecer experiências inovadoras, únicas, que surpreendam e fiquem na retina do consumidor. Nesta última, o segmento jovem é extremamente recetivo e ávido pelo consumo de novas tecnologias.
Salientamos, por exemplo, a introdução de novos mecanismos tecnológicos, tais como, a realidade aumentada no decorrer das partidas de futebol. Em breve, nalgumas ligas, o adepto poderá enquadrar a câmara do seu smartphone no relvado, de modo a acompanhar as estatísticas de jogo em tempo real. No fundo, será uma espécie de convite sedutor à interação com o consumidor, sem que este perca o rumo do jogo.
O mais importante é a tomada de consciência por partes das entidades desportivas e organizadoras de competições. Cada vez mais, é necessário promover a convergência entre o meio digital e o físico, procurando ir ao encontro dos adeptos do amanhã. São estes que vão permitir o prolongamento da indústria e do fenómeno no geral.
Sem eles, o futebol como o conhecemos, só mesmo na PlayStation.