Janeiro 2021 | Por: Tiago F. Silva
Muitos acreditam que, das crises, surgem as oportunidades.
E, porventura, a expressão nunca fez tanto sentido como agora.
Da Covid-19 e dos impactos negativos que esta teve no futebol, pouco ou nada há a acrescentar. São por demais evidentes as mazelas que deixaram na indústria, algumas delas irreparáveis a curto prazo.
O que se seguirá permanece envolto em mistério, mas, até ver, há pelo menos alguns indicadores que devem ser considerados como de vital importância.
É, por isso, altura de aprendizagem, de repensar velhos hábitos e virá-los para o futuro, sobretudo no que toca ao planeamento económico dos clubes.
Porque as perdas já se fazem sentir.
Um estudo da Deloitte dá-nos conta de um cenário de perda de receitas nos clubes líderes da chamada “Money League”. Até aqui, nada de extraordinário. No entanto, importa perceber a natureza dessas perdas.
Em números gerais, no top-20 de clubes registou-se perdas de receitas na ordem dos 2 mil milhões de euros, segundo dados recolhidos entre as épocas 2019/20 e 2020/21.
Na época transata, foram gerados 8,2 mil milhões de euros em receitas, o que representou um decréscimo de 12% relativamente ao período homólogo, qualquer coisa como 1,1 mil milhões de euros a menos.
A consultora estima que a quebra se deveu a vários fatores, sendo o mais importante a perda das chamadas “receitas de dia de jogo”, face à ausência de adeptos.
Foram ainda tidas em conta as perdas nas receitas televisivas e alguns impactos comerciais, bem como o diferencial entre o crescimento registado nesses clubes antes e após o período em análise.
Do montante de 1,1 mil milhões de euros em perdas, referidos anteriormente, a Deloitte divide então em 937 milhões de prejuízo das receitas de dia de jogo e em 257 milhões como valor relativo ao ajuste nas receitas televisivas.
De resto, no top-20, apenas dois terminaram o exercício com um aumento nas receitas geradas, comparativamente ao ano transato.
Os russos do Zenit e os ingleses do Everton foram as únicas exceções à regra. De resto, nos restantes 18, sete tiveram quebras inferiores a 10%, dez entre 11-20% e um com quebras superiores a 20%.
Ora, remontando ao período pré-pandemia, o cenário era precisamente o oposto, em que apenas dois clubes no top-20 tinham registado quebras nas receitas.
Benfica no top-30 de receitas geradas pós-Covid
Não consta nos primeiros vinte, mas não é preciso percorrer muito mais a lista para encontrar o primeiro clube português (de resto é o único presente na amostra).
O Benfica terminou a época 2019/20 com receitas de 170,3 milhões de euros (sem referências anteriores), o que colocou os encarnados na 23ª posição da tabela, atrás de Leicester e Valencia, e à frente de Borussia Monchengladbach e Crystal Palace.
É de crer que estes números possam vir a mudar drasticamente, após a análise da presente época, mas as águias mereceram destaque por parte da Deloitte, muito pela estratégia financeira assente na rentabilização e transação de ativos, principal fonte de receita nos últimos anos.
E recorde este facto. Será importante mais à frente.
Sem adeptos, clubes viram “televisodependentes”
Os dados revelados pela Deloitte permitem-nos, desde logo, retirar as seguintes conclusões.
A surpreendentemente elevada dependência de receitas de dia de jogo. De resto, o autor do estudo revelou-se igualmente perplexo com o peso que estas têm para os cofres dos clubes.
Depois, as menos surpreendentes, mas sempre decisivas receitas televisivas, responsáveis por uma grande fatia do planeamento financeiro anual.
A consultora chega mesmo a salientar alguns exemplos de como a interrupção das competições em alguns países, e os respetivos ajustes nessas receitas televisivas, conduziu às quebras mais assinaláveis do ranking.
Para estabelecer um paralelo, recorremos aos exemplos da Bundesliga e da Ligue 1. A principal competição germânica foi interrompida cerca de dois meses e completada depois, já sem público nas bancadas.
Em termos numéricos, o impacto do ajuste das receitas televisivas foi mínimo, visto que a competição acabaria por regressar em maio e foi concluída no mês seguinte.
Exemplo oposto foi o que sucedeu em França, com as várias dúvidas à volta da continuidade ou não da Ligue 1.
Em março fora interrompida, em abril cancelada e decretados os vencedores da prova.
A decisão provocou um imbróglio legal sem precedentes, com os clubes a pagarem uma fatura pesada, face à redução significativa das receitas televisivas centralizadas.
Sem o fator humano, que, como já vimos, afetou as receitas de dia de jogo, as perdas a nível do “broadcast” foram absolutamente decisivas para algumas mexidas no top-20.
Verifica-se a ascensão dos clubes alemães, face à descida dos franceses. No caso, Bayern Munique subiu uma posição (3º), Borussia Dortmund manteve-a (12º) e emergiu o Eintracht Frankfurt (20º). Schalke 04 foi o único emblema germânico a decrescer uma posição (16º).
Os gauleses viram o Paris Saint-Germain descer duas posições (7º) e o Olympique Lyonnais a cair uma (18º).
Em qualquer das posições, houve uma quebra assinalável nas receitas geradas, comparativamente à época pré-Covid, excetuando os dois emblemas referidos anteriormente.
Direitos televisivos centralizados em Portugal, vislumbra-se luz ao fundo do túnel?
Lembra-se do caso do Benfica?
Então preste atenção.
A rentabilização de ativos tem sido moeda de troca para alguns clubes menos capazes financeiramente, por forma a conseguir manter um nível competitivo acima da média e ser capaz de acompanhar o maior poderio dos chamados “tubarões”.
O Benfica tem sido um dos exemplos maiores dessa estratégia, o que tem permitido às águias manter a cabeça fora de água nos últimos anos.
Até aqui tudo bem, mas, até quando é possível gerir um clube, partindo do princípio que a fatia maior da receita virá da rentabilização de ativos? Ativos esses que, diga-se, vêm ficando cada vez mais caros, desde que a concorrência ganhou um poder de compra incomparavelmente maior.
Se, como já vimos, as receitas de dia de jogo são, hoje, praticamente nulas, obrigando os clubes a “socorrerem-se” de maiores ou menores receitas televisivas, então, num país em que esses direitos de transmissão não são centralizados, o que reserva o futuro para os clubes?
Em Portugal, um dos poucos nesse lote, importa então acelerar o processo da centralização dos direitos de transmissão televisiva.
Como tal, foi como uma lufada de ar fresco saber do recente memorando de entendimento entre Liga Portugal e Federação Portuguesa de Futebol.
Os dois organismos maiores do futebol em Portugal decidiram unir esforços no sentido de gerir esse processo, contando com o contributo dos clubes, reconhecendo que a centralização de direitos “é nuclear para um desenvolvimento acelerado do futebol profissional”.
Ambos estimam que, no limite, a transformação estará concluída até 2027/28, assumindo o compromisso de manter uma informação regular sobre o evoluir do processo.
Sendo as ligas profissionais portuguesas parte dos 12% que ainda não tem direitos centralizados (segundo a FIFA), um entendimento como este só pode deixar todos expectantes num futuro mais risonho, traduzindo-se numa luz ao fundo do túnel para muitos dos clubes que atravessam uma situação financeira delicada.
A nós, que observamos o fenómeno de perto, parece-nos ser o caminho mais certo, que trará benefícios a todos os clubes.
Estranha-se (ou não) a demora no processo, uma vez que há muito se via como a solução mais eficaz para um aumento da competitividade e, por conseguinte, um aporte de qualidade ao produto em geral.
Ao talento português, reconhecido fora de portas, poderia finalmente associar-se um tão importante estofo financeiro, tantas vezes responsável pelo sucesso ou insucesso de um projeto desportivo.
Se chegou até aqui, então consegue compreender a importância deste memorando. Observando o peso que as receitas televisivas têm tido até nos suprassumos do futebol mundial, este será um passo gigante rumo a um melhor amanhã para todos.
Uma luz no meio da penumbra.