Outubro 2021 | Por: Tiago F. Silva
Hoffenheim, Inter Milão, PSG, Arsenal, Boca Juniors, Juventus, Chelsea, Leipzig e Manchester City.
Uns são colossos do futebol mundial, outros nem tanto. Mas, o que têm em comum?
Por ordem ascendente de investimento, todos foram adquiridos por investidores, que injetaram muitos milhões nos cofres do clube. Contudo, apenas um alcançou objetivos coincidentes com o investimento feito.
Mas já lá vamos.
Por agora, falemos do novo membro desta lista exclusiva.
Em St. James’ Park, os gritos de euforia num dia sem futebol, causaram um ruído de tal maneira grande, que chegou aos quatro cantos do mundo.
O futebol inglês é pródigo em cânticos e festejos, mas ninguém esperava estes certamente, ainda para mais vindos de um magpie, alguém que sente o clube como uma verdadeira família.
O mundo do futebol espantou-se com a aquisição do Newcastle United por parte de um consórcio saudita, com ligações diretas à família real daquele país.
Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, tem uma fortuna onze vezes superior à do proprietário do Manchester City, atual detentor do título da Premier League e, portanto, competidor direto.
Deixaremos de lado os outros escândalos extrafutebol envolvendo o magnata saudita, para nos concentrarmos no principal tópico deste artigo.
É que, mesmo não sendo caso virgem no futebol atual, bastando recordar que o PSG é gerido há anos por fundos públicos do Catar, a entrada de mais um investidor desta magnitude deixou a indústria em sentido.
“O clube mais rico do Mundo” foi o rótulo atribuído e os adeptos não tardaram em usá-lo como motivo de regozijo, talvez para surpresa de muitos.
A euforia dos magpies, nas imediações do estádio, logo após o anúncio oficial, e já depois, aquando do primeiro jogo, originou uma imensa onda de revolta, abrindo a discussão sobre o que seria verdadeiramente a paixão por um clube.
O tema não é novo, naturalmente, mas a discussão em torno de matérias como esta ganha um relevo cada vez maior.
E porquê? Bom, digamos que, no futebol, ainda persiste a velha máxima de que o dinheiro não compra tudo.
E não faltam casos que o comprovem.
“’Cause I don’t care too much for money, for money can’t buy me love”
De Liverpool para o Mundo, cantavam os The Beatles que o dinheiro não compra amor, criando uma daquelas frases fortes que perduraria no tempo, em jeito de lição para a vida.
Numa indústria onde paixão e resultados desportivos andam invariavelmente de mãos dadas, mesmo que menos evidente nalguns casos, tem ficado bem patente nos últimos anos o crescimento exponencial de investidores com poucas associações ao fenómeno do futebol.
Vêm das mais variadas áreas, muitas vezes com históricos nada abonatórios, e apresentam-se como verdadeiros Messias, prometendo criar condições financeiras suficientes para transformar os clubes em “papa títulos”, tanto a nível nacional, como internacional.
Às promessas feitas, os adeptos reagem com um entusiasmo impulsivo, invariavelmente só rebatido pela incerteza dos mais céticos e românticos.
Quanto ao Newcastle United, desconhece-se para já qual será a dimensão da injeção de capital no clube, mas é certo que se tratará de um aporte financeiro invejável, ou não fosse o fundo de investimento público saudita orçado em cerca de 375 mil milhões de euros.
Entende-se o entusiasmo dos adeptos, portanto, mas também não é de estranhar o ceticismo de outros.
É que o histórico mostra que nem sempre as injeções brutais de capital, associadas a uma quase total reforma da política dos clubes, trazem efetivamente resultados práticos.
Poucos são os casos em que investimentos megalómanos resultaram na tão desejada mudança a curto prazo.
Ajuda a alimentar a fogueira da paixão, mas acaba por não comprar amor.
Senão vejamos.
Dos clubes que referimos inicialmente, apenas o Chelsea foi capaz de coincidir o investimento com títulos.Desde o início da “Era Abramovich”, os blues conquistaram duas Liga dos Campões e o mesmo número de títulos na Liga Europa.
Dos restantes, poucos obtiveram o retorno desportivo desejado. Nem títulos europeus, nem tão pouco posições hegemónicas, mesmo após vários anos de investimentos avultados.
Naturalmente, estes indicadores alimentam a já acesa discussão em torno da credibilidade deste tipo de operações milionárias.
A democracia do futebol contra a ditadura do dinheiro
Tal como num bom filme, em que o bem impera contra o mal, o futebol tem sido palco de uma verdadeira cena épica.
Somam-se os casos em que a democracia do futebol levou a melhor sobre a ditadura do dinheiro, qual tirano que inverteu o enredo delineado.
O dinheiro ajuda a ganhar títulos? A resposta é clara. Sim. Mas não o faz por si só.
Poder-se-á dizer que sim, na medida em que ajuda a contratar talento, mas o futebol sempre nos ensinou que um conjunto de bons jogadores não faz propriamente uma boa equipa.
Os exemplos que referimos são a prova mais cabal disso mesmo. Nem sempre os melhores conjuntos foram capazes de vencer as melhores equipas.
À data, os números mostram um claro ascendente das equipas com mais dinheiro, nomeadamente as que são propriedade de algum fundo ou investidor, mas esse ascendente parece ainda insuficiente ante a solidez de uma boa equipa.
Parece inevitável que, algures num futuro próximo, haja possibilidade de uma destas equipas singrar a nível nacional e internacional, mas é curioso perceber que esse cenário não é assim tão evidente, talvez contra várias expectativas.
Aliás, a velha máxima da bola na baliza continua a ter mais influência do que qualquer investimento. Estar mais perto de o conseguir, não é sinónimo de o conseguir.
À qualidade individual e perícia técnico-tática que os petrodólares são capazes de comprar, o futebol puro continua a ripostar com talento e coesão.
Aos adeptos cabe, portanto, a tarefa de escolher qual o caminho a seguir. Seja ele qual for, importa que seja escolhido em consciência e não apenas por impulso.
Até que ponto faz sentido “vender um clube” na sua estrutura, na sua essência, nos seus princípios e valores?
Em St. James’ Park, os tempos são de euforia, pese embora a controvérsia instalada. Resta saber se o dinheiro será suficiente para comprar o amor dos adeptos ou fazê-los antes repensar nas consequências da decisão.
Certeza só há uma, a de que o futebol está a mudar, perante o olhar impávido de todos os que aprenderam a amá-lo sem preço.