Novembro 2020 | Por: Tiago F. Silva
Começamos, dando voz aos protagonistas.
“É o que há. Não há que lamentar. Mas é triste, tenho de ser sincero. Eu quando jogo fora gosto de ser assobiado, isso dá-me pica! Mas a saúde está em primeiro lugar (…) é triste jogar sem adeptos, é como ir ao circo e não ver palhaços, é como ir a um jardim e não ver flores. Mas já estou habituado, faço a minha meditação preparando-me para o estádio estar vazio. Espero bem que daqui a alguns meses já possamos ver pessoas nos estádios porque as pessoas são a alegria do espetáculo dentro de campo.”
Há uns meses, Cristiano Ronaldo respondia desta forma a uma pergunta colocada por um jornalista, que o questionara precisamente sobre a ausência de público nas bancadas, num jogo da Seleção Nacional.
Este “novo normal” tem pautado, pela negativa, a vida de todos nós, mas fez-se sentir com mais força nalguns setores específicos da sociedade. O Desporto e o Futebol em concreto foram imediatamente desprovidos daquilo que é a sua essência e força motriz – os adeptos.
Ronaldo expressou em poucas palavras aquilo que todos os aficionados sentiram, tristeza e uma certa conformação. “É triste, mas a saúde está em primeiro lugar”, disse o craque português na altura, mal sabendo que também ele seria fustigado pela Covid-19 mais tarde, felizmente já debelada.
Mas houve um detalhe curioso a ressaltar dessas declarações e ao qual não se deu o devido crédito. Com a expressão “dar pica”, CR7 salientava a importância do fator motivação para os jogadores de futebol. No caso, tratando-se de um jogador altamente competitivo, até a ausência de assobios por parte dos adeptos adversários poderia contribuir para uma certa desmotivação natural no decorrer dos jogos.
O madeirense apresentou-nos um pouco de si, como espelho do que aconteceu com vários profissionais desde então. Houve outros testemunhos semelhantes, com alguns jogadores a salientar o desconforto de jogar sem público, destacando o vazio e o eco que se fazia sentir em todo o estádio, ou até o incómodo pelas várias orientações em simultâneo durante um jogo.
Outros casos houve de aparente melhoria no rendimento, normalmente associados a equipas mais jovens e inexperientes, que assim ficaram mais “libertas” da pressão dos adeptos.
Este fenómeno torna-se ainda mais interessante, quando a análise feita ao principal campeonato em Portugal (em 19/20) mostrou um total equilíbrio no número de vitórias caseiras antes e depois da pandemia.
Certo é que a dimensão psicológica não deve ser menosprezada e vários foram os clubes que resolveram adaptar-se ao denominado “novo normal”, através de vários métodos que supriram a ausência física de adeptos, dentro do possível.
Desde soluções tecnológicas, porventura as mais utilizadas, até às soluções mais simbólicas e menos convencionais. Tudo serviu para ajudar os jogadores a sentirem-se menos “sozinhos” dentro de campo e também alguns clubes a promoverem “engagement” com os fãs.
A pioneira parede virtual do Aarhus
“Those beyond the wall”. Quase parece uma referência ao Game Of Thrones, mas para lá desta parede não se avistavam “wildlings”, mas sim adeptos. A parede virtual do Aarhus foi pioneira no futebol mundial e introduziu uma das primeiras formas de “sentar” adeptos dentro do estádio novamente, mas sem os tirar do conforto dos seus lares.
Na altura, este clube dinamarquês resolveu implementar uma parede virtual gigante, dando oportunidade aos adeptos de assistir ao jogo através da plataforma Zoom. Através desta tecnologia, denominada “Zoom Wall”, jogadores e adeptos voltaram a poder comungar de um jogo de futebol, ainda que à distância e sem o tradicional barulho de fundo.
O jogo com o Randers terminou com um empate e o golo da equipa da casa surgiu já nos descontos da partida, o que pareceu ser o final mais inusitado para os que assistiram aquele jogo de retoma da liga dinamarquesa.
A iniciativa do Aarhus serviu de inspiração a outras, nas mais variadas modalidades. Por cá, a Federação Portuguesa de Futebol replicou a ideia e proporcionou às equipas sediadas na Cidade do Futebol a oportunidade de jogar perante os seus adeptos, ainda que à distância.
Os “ursinhos caridosos” do Heerenveen
Carinhosos são os outros, até porque já chega de referências televisivas.
Estes foram verdadeiramente caridosos e resultaram de uma iniciativa do Heerenveen, nos Países Baixos. Aos que seguem o clube, certamente já não são alheios à tradição dos ursinhos de peluche.
Todos os anos, o estádio deste clube enche-se de ursinhos de peluche, que são depois arremessados para o relvado, em gesto de solidariedade para com as crianças vítimas de cancro naquele país.
Ora, mesmo sem adeptos desta vez, o clube decidiu continuar a tradição, sentando no estádio 15 mil ursinhos. Sim, leu bem, 15 mil peluches devidamente equipados com o equipamento do Heerenveen ocuparam as bancadas do estádio, num jogo ante o Emmen.
Todos os peluches acabaram por ser vendidos no final do jogo, uma receita que chegou aos 230 mil euros e foi entregue, na totalidade, à Fundação para as Crianças Livres de Cancro.
A iniciativa não só marcou pela criatividade e colorido que deu às bancadas, como ainda permitiu servir bons interesses e ajudar o clube a aumentar o “engagement” com os adeptos, graças ao impacto que teve nas redes sociais e à exposição mediática a nível mundial.
De salientar ainda outras estratégias do género, em que os clubes permitiram aos adeptos terem o seu lugar marcado e identificado, com nome e/ou fotografia, a troco de uma verba pré-estabelecida, colmatando as perdas nas receitas de bilhética.
Numa altura em que tanto se discute o possível retrocesso do regresso dos adeptos aos estádios, algo que vinha acontecendo gradualmente nalguns países, estes foram dois bons exemplos de como o ser humano é sempre capaz de contornar a adversidade, ou pelo menos amenizá-la.
No entanto, importa destacar aquilo que referenciámos anteriormente. Os holofotes estão virados para os adeptos, é certo, mas os futebolistas nunca saíram de cena e acabam por ser também eles “vítimas” no seu trabalho.
Neste “novo normal”, iniciativas como estas revelam-se essenciais para ajudar os protagonistas em campo e também os próprios clubes a encontrar possíveis soluções para a situação que atravessam. Mais ou menos inovadoras, mais ou menos dispendiosas, todas elas são bem-vindas, em prol de um regresso ao futebol que se quer rápido e definitivo.