Janeiro 2022 | Por: Tiago F. Silva
O que é que o treinador português tem?
Bom método de treino tem.
Comunicação acima da média tem.
Capacidade de trabalho tem.
Talento reconhecido tem.
No tempo da luso-brasileira Carmen Miranda, um português treinar no Brasil era “muita fruta”, um fenómeno raro e pouco expectável.
À época, eram muito mais os técnicos brasileiros a rumar ao futebol português.
A realidade agora é outra. De há uns anos a esta parte, o interesse do futebol brasileiro no treinador português tem vindo a crescer de forma gradual, por vários motivos.
É por demais reconhecida a competência do treinador português, responsável por alguns dos maiores êxitos no futebol ao longo dos últimos anos.
Além da capacidade de trabalho, apostada na consistência e inovação, o treinador português tem sido também capaz de introduzir novas metodologias de treino, que potenciam o talento de cada jogador, a nível individual e coletivo.
A predisposição pelo detalhe, leva o treinador e a sua equipa técnica a controlar todos os aspetos do treino, conseguindo assim aumentar a sua proficiência.
E depois há a criação. Dizem por aí que alguns criam, outros copiam. O treinador português cria ou, pelo menos, sabe buscar informação e bases que ajudam a criar e moldar o seu comportamento no treino, os seus métodos e modelos.
Existe ainda uma capacidade de comunicação acima da média, permitindo na maioria dos casos solidificar a sua presença e autoridade dentro do balneário, ao mesmo tempo que a boa conexão com os media consegue atrair atenções e blindar o grupo de potenciais ameaças externas.
Acima de tudo, é um técnico que se sabe adaptar e flexibilizar, consoante o contexto. Não é de estranhar, portanto, que muitos sempre tenham procurado o sucesso além-fronteiras, inclusivamente nos chamados campeonatos periféricos.
Surge agora a possibilidade de ter vários portugueses a comandar grandes clubes brasileiros. Abel Ferreira (Palmeiras) e Paulo Sousa (Flamengo) estão confirmados e há outros em equação.
Curiosamente, o futebol brasileiro foi visto como uma opção pouco viável até há pouco tempo. Para inverter a tendência, terá sido decisiva a campanha de Jorge Jesus ao serviço do Flamengo.
De resto, até num plano menos positivo, Jesus foi capaz de potenciar a imagem do técnico luso em terras brasileiras, quando afirmou que dificilmente algum outro técnico iria replicar o sucesso do Flamengo naquela época, nomeadamente a conquista da Taça Libertadores.
Logo na época seguinte, Abel Ferreira conduziu o Palmeiras à conquista do troféu, entretanto renovada, e fortaleceu ainda mais a mestria dos treinadores portugueses.
No país do futebol, onde abunda o talento, nem sempre bem organizado e potenciado, o treinador português surgiu assim como a solução perfeita para ajudar a traçar um novo rumo.
Disciplina, rigor, métodos de trabalho capazes e inovadores, treinos individualizados, facilidade de comunicação e falante da mesma língua. Todas estas características parecem ter sido finalmente reconhecidas, colocando o treinador português no encalce dos brasileiros.
Uma paixão transatlântica
O Brasil chama agora pelo treinador português, mas parece evidente que o apelo vindo do outro lado do Atlântico é também ele mais aliciante nos dias que correm.
E, de facto, algo mudou. Além do fenómeno Jesus, podem ser apontadas outras razões, como o poder económico dos clubes brasileiros, que possibilita ordenados e orçamentos convidativos, as condições de trabalho ou a paixão dos adeptos.
Há a destacar ainda o talento em bruto patente nos principais clubes, que se traduz num bom desafio para equipas técnicas que apreciem a prospeção, como é o caso das portuguesas.
Ainda assim, a razão mais evidente parece ser a queda de um estigma antigo. O campeonato brasileiro é encarado atualmente como um bom projeto de carreira, ao nível dos grandes clubes, possibilitando uma oportunidade sólida de brilhar, num palco com milhões de espetadores.
Olhando ao capítulo profissional, a proposta brasileira apresenta-se como muito aliciante, na medida em que permite ao treinador posicionar-se quase sempre no lote de favoritos à conquista dos principais títulos nacionais e internacionais.
A exigência é sempre máxima, até mesmo por força do calendário e da pressão dos adeptos, mas permite ser bastante otimista quanto à possibilidade de trilhar um caminho de sucesso, sobretudo fora de portas, nas competições internacionais, onde todos concentram esforços.
Também aí, há uma clivagem cada vez maior no que toca ao poderio financeiro e desportivo dos clubes brasileiros. Basta ver que a Libertadores e a Sul-Americana tiveram como finalistas quatro clubes brasileiros na época passada.
A proximidade de títulos será certamente tida em conta pelos treinadores, que ali veem a oportunidade de alavancar a carreira e de criar uma via para campeonatos de nível superior.
Soma-se a isso, o maior interesse mediático que o futebol brasileiro adquiriu, com foco no desempenho dos portugueses, o que possibilitou uma aproximação, quebrando o receio de “cair no esquecimento” das massas, outra preocupação até então.
Dirão alguns que é um fenómeno previsível e prometido há muito tempo, mas a verdade é que nunca antes acontecera desta forma. Algo mudou e para melhor.
O que tem então o treinador português e que o Brasil tanto procura?
Tudo para dar certo.
(fonte da fotografia: Alexandre Vidal/CRF)