Rebranding no futebol: do intocável ao adaptável

Maio 2021 | Por: Tiago F. Silva

“Chapéus há muitos, seus palermas!”

Começamos com esta citação, eternizada pelo génio de Vasco Santana.

E porquê?

Bom, basicamente porque ajuda a entender melhor o que trata este artigo.

Falamos de emblemas. É verdade, emblemas de clubes.

E porquê? A pergunta é simples, já a resposta parece ser bastante complexa. Digamos que é uma temática controversa, ainda que quase totalmente remetida para um segundo plano, sobretudo em Portugal.

Afinal de contas, o que têm em comum chapéus e emblemas?

Nada e tudo. Passamos a explicar.


Pensar a marca hoje, deixar marca amanhã

Não é de hoje que os clubes se debatem pela reformulação das marcas.

Procuram-na pela necessidade de reposicionamento enquanto instituição ou por uma questão estratégica de revitalização de marca e adaptação às tendências de consumo.

Em ambos os casos, há seguramente um denominador comum: a controvérsia.

Para o comum adepto, o emblema não é de todo um mero acessório. Chapéus há muitos, de facto, emblemas não. São escudos, tatuagens, figuradas e também literais, nalguns casos. Marcas imutáveis. Eterna.

Numa sociedade virada para o digital e para o consumo imediato, a falta de inovação e adaptação tem um peso tremendo.

Ainda que a paixão se renove, torna-se essencial adensar a empatia dos adeptos para com a marca, estudando-os e compreende-os, colocando igualmente na equação o meio envolvente e a sua história.

As marcas devem moldar-se às suas gentes, de modo a que possam estar presentes em todo o esplendor, no seu ecossistema. Só assim conseguem estabelecer “touch points” assertivos e eficazes.


O reJUVEnescimento de uma velha senhora

Das tentativas falhadas pouco ou nada se pode dizer, até porque, claro está, a maioria foi travada pela insurgência dos adeptos.

Falemos então de alguns exemplos concretos, de clubes que avançaram com a mudança no emblema e, até ver, sem problemas de maior.

Juventus e Inter Milão são exemplos maiores e mais recentes.

Por coincidência (ou não) dois clubes italianos, historicamente mais virados para mercados externos, com estratégias pensadas nesse sentido.

O caso da Juventus foi o mais sonante e o que causou maior perplexidade no mundo do futebol, devido ao radicalismo da mudança.

Do antigo emblema da “vecchia signora” pouco ou nada restou.

Numa mega estilização, os elementos que associavam o clube à cidade de Turim foram postos de lado, em prol de um singelo “J”, que visou sobretudo a uniformização, internacionalização e também a presença da marca no digital.

Sim, perdeu-se o típico escudo, o que certamente não agradou a muitos, mas o rejuvenescimento conferiu à marca maior simplicidade, inovação, legibilidade e contribuiu para a expansão em vários outros mercados, aproveitando também o enorme contributo de uma estrela internacional como Cristiano Ronaldo.

Falar da situação do Inter Milão é falar de uma mudança menos extravagante, mas que visou exatamente os mesmos objetivos.

Conta ainda com algumas curiosidades. Ao emblema anterior foi retirado o “FC” de Football Club, para estabelecer o clube como uma marca além do futebol.

As siglas “I” e “M” fundem-se num “I Am”, que procura representar os valores de inclusão pelos quais o clube sempre foi conhecido.

“Recriou-se a identidade visual para abrir a um público cada vez mais digital e sensível à estética, para alcançar alvos globais e grupos etários diferentes, e estabelecer-se como ícone da cultura e do desporto”, revelou ainda o clube milanês.

Em suma, houve, de facto, uma adequação do emblema à estratégia de marca do clube, também ela adequada aos hábitos e perfis dos consumidores atuais.

Logo, se os objetivos são variáveis, fará sentido o emblema, com todo o peso que tem, permanecer incólume numa eventual mudança de estratégia?

Mais. Fará sentido permanecer imutável com base em indicadores emocionais apenas?

Perguntas sem uma resposta concreta, porventura.


Um leão audaz, mas tímido

Em Portugal, é plausível então pensar em algo do género?

Bom, recentemente, o Santa Clara colocou a apreciação um novo emblema, que será uma espécie de regresso às origens. Contudo, não será alvo de escrutínio, porque ainda se aguardam decisões.

Já o Sporting CP, sim, levou a cabo uma mudança no início do milénio.

Em 2001, os leões apresentavam o novo emblema, que se traduzia numa “imagem gráfica mais estilizada, rejuvenescida e adequada ao perfil atual dos mais de 3 milhões de simpatizantes”.

A constante referência ao desígnio de Sporting Lisboa mereceu também atenção dos responsáveis, dotando o emblema de maior afirmação do clube verde e branco como referência nacional que era e conferindo-lhe maior reconhecimento internacional.

Apesar de tudo e como é óbvio, tal mudança no clube leonino não se assemelhou em nada aos exemplos italianos que referimos. Tendo por comparação, pode dizer-se que foi audaz, mas algo tímida.

No entanto, serve para provar um ponto.

A perceção do perfil dos adeptos e dos seus hábitos, ambos variáveis e mutáveis, revestem-se de especial importância na adequação da estratégia de marca dos clubes.

Colocando-se na equação tanto a afirmação como a expansão da marca, bem como as consequentes receitas advindas disso, compreendem-se os motivos que levaram e continuam a levar vários clubes a pensar em rebranding.

Até porque, sejamos francos, alguns emblemas tornaram-se obsoletos, tendo em conta os padrões de consumo atuais. E é natural que assim seja. Sintoma dos tempos.

Concluindo. É certo que não há comparação possível entre chapéus e emblemas, mas simbolicamente devem ser vistos pelo mesmo prisma.

A analogia parece descabida, mas ambos devem servir o mesmo propósito e contribuir para a sustentabilidade da instituição que os explora.

Afinal, se chapéus há muitos, usar sempre o mesmo é realmente coisa do passado.