Regra dos golos fora ainda faz sentido no futebol?

Março 2021 | Por: Tiago F. Silva

“Como ficou o jogo? Zero a zero? Não é um mau resultado!”

Quem nunca ouviu isto? Quantas vezes esta história se repetiu?

Na perspetiva de quem profere estas palavras vem sempre ao de cima essa premissa tão antiga do futebol, a da bonificação dos golos fora.

Tão antiga que, atualmente, muitos já a consideram obsoleta.

Abordaremos então esta questão, em jeito de reflexão para o que aí vem.

Comecemos com uma curta viagem no tempo.


Veio para desbloquear decisões

Para entender a origem da regra dos golos fora, é preciso recuar até à década de 60.

À época, era frequente este tipo de eliminatórias terminarem empatadas, sendo que o desempate era feito através de moeda ao ar ou com a realização de um terceiro jogo.

Ora, para evitar esse tipo de situações, foi introduzida a regra dos golos fora, prevendo que um golo marcado fora de casa fosse contabilizado a dobrar, priorizando-a como primeiro critério de desempate da eliminatória.

Diziam, então, os responsáveis que esta regra não só desbloquearia decisões em caso de empate, como iria também promover um estilo de jogo mais ofensivo e premiar as equipas que procurassem marcar golos como visitante.

Solução perfeita, pensaram. E, em bom rigor, é possível perceber o porquê.

Só uma regra eficaz é capaz de subsistir em 50 anos de um futebol em permanente mudança.

E talvez seja este o busílis da questão.

O futebol mudou.


A controvérsia que emerge

Surge então a discussão atual.

Afinal a regra dos golos fora ainda faz sentido ou tornou-se obsoleta?

Há cada vez mais intervenientes que se mostram contra a continuidade da regra, considerando que não faz jus ao futebol atual.

A evolução técnica e tática das equipas, bem como a maior eficácia de observação e análise dos jogos, resultou numa espécie de rasteira à regra.

A tentativa de incentivar um jogo mais ofensivo não funcionou da forma desejada, aparentemente.

Numa primeira mão, o que muitas vezes se verifica é um pragmatismo exagerado.

A sensação de que há um segundo jogo para resolver o assunto, sabendo de antemão que um golo fora de portas pode salvar prestações, molda estratégias em função disso.

Significa isto que todas as equipas o façam? Não, porém, é evidente que quase todas souberam adaptar-se à regra, por forma a tirar o melhor proveito dela.

Como tal, ao longo dos últimos anos, várias vozes de protesto se levantaram. Uns acreditam que esta retira essência ao jogo, outros que fere o conceito de técnica e tática e fomenta outro puramente estratégico.

A pandemia deu ainda mais força a esta retórica, uma vez que desproveu os estádios de adeptos e obrigou à realização de jogos em campo neutro.

E isso trouxe o assunto à tona novamente, levantando dúvidas sobre a validade e o benefício desta regra no futebol atual, sobretudo com um caráter tão determinante.

A decisão terá de passar pelo crivo do International Board, como de costume, mas da UEFA parece que poderá haver luz verde. Basta recordar as palavras do próprio diretor de competições, aquando do habitual fórum de treinadores, em 2018.

“Marcar golos fora já não é tão difícil como no passado”, afirmou Giorgio Marchetti.

Lembra-se então daquele zero a zero que não era mau resultado?

Talvez seja uma tendência. Não necessariamente positiva ou negativa, apenas fruto das muitas evoluções que o futebol sofreu, desde a década de 60 até aqui.

Se retira essência, se é justo, se vicia estratégias ou estraga jogos? Um retrocesso, porventura?

Muitas perguntas a necessitar de resposta, mas a única consensual aponta para a necessidade de reflexão sobre esta regra, em prol de um futebol mais maduro.